A liberdade não tem de ser cor-de-rosa

Hoje assinalo a liberdade. E a liberdade não tem de ser cor-de-rosa.
É poder fazer, ser e sonhar o que eu quiser e não ter de pedir autorização a ninguém.

Antes de mais, quero dizer: eu era a pessoa que ficava feliz com o se assinalar o dia com uma flor, porque era a única vez que via o meu pai a presentear a minha mãe. Na minha adolescência disse muitas vezes “se queremos igualdade porque é que há um dia da mulher?”. E escrevi há 3 anos, um texto em que me recusava assumir feminista para dizer que era igualitária. Todos temos um passado, desenvolvi-me mais nos últimos anos que as estirpes da gripe.

Hoje marca-se a luta pela igualdade social, política e económica. E aos movimentos de direitos de minorias, o mundo assistiu e assiste a movimentos pelos direitos de uma maioria: as mulheres. É que se a coisa está equilibrada no mundo como um todo, Portugal está em 13º na lista de países com menos homens por cada 100 mulheres.
Se hoje em dia, os temas de género estão na ordem do dia: números de violência doméstica e sexual, a discriminação, a igualdade de oportunidades, a desigualdade salarial que em Portugal conseguiu aumentar nos últimos anos (sabiam que as mulheres portuguesas trabalham em média 79 dias por ano sem serem remuneradas que representa menos de 320€ nos salários) Não é o TPM que nos faz ficar f******: é isto.

Nos temas do dia que são gritados nas redes sociais, falta o essencial: perceber o que é um flirt. Perceber o que é consentimento. Perceber o que é assédio. Perceber o que é abuso. Mas acima de tudo: perceber-se o que é ser mulher.

Não só a mulher branca, hetero, licenciada, empreendedora de classe média. Também, mas não só. A mulher é cis, é trans, é preta, é chinesa, é cigana, é muçulmana, é judia, é ateia, é sikh, é pobre, é hetero, é do interior, é do litoral, é doméstica, é operária fabril, é desempregada, faz yoga, tem a elasticidade e coordenação de um agrafador, é stressada, é CEO, é artista, é mãe solteira, é viúva, é do benfica, é do porto, é estéril, é lésbica, é emigrante, é refugiada, ressona, é electricista, é manicure, é gorda, é magra, que gosta de muito de f****, que é assexual, que diz palavrões, que não diz palavrões, que é daqui ou do fim do mundo, que tem mil seguidores no instagram, não usa redes sociais…E é tanta a diversidade com questões específicas que ficam perdidas no ruído dos temas do dia. E isto é a prova de que não há um único caminho para fazer as coisas nem um manual de instruções para fazer isto.

Não me ofereçam flores hoje, nem bombons, nem descontos em restauração, nem workshops de maquilhagem, nem em lojas de roupa. O que é que isso diz sobre o vosso dia da mulher, marcas-que-acham-super-moderno-fazer-acções-patéticas-porque-tudo-é-pretexto-para-se-vender? Não é um logo ao contrário, não é mudarem o vosso nome para feminino neste dia, não é fazerem uma campanha publicitária dramatico-épica sobre isto: é olharem para dentro e perceberem dentro da vossa empresa, da vossa família, o que é que não faz pandam com isto.

Não queremos que defendam as matérias de igualdade porque são nossos pais, tios, maridos ou filhos, logo são muito solidários porque “percebem perfeitamente”. A mulher não vale pela relação que se tenha com ela. Há coisas que só nós lidamos desde os 12 anos e que só existem pelo género que temos. São direitos humanos.

Sem darmos conta, a sociedade avançou muito nos últimos 30 anos e há muitas conversas que assustam e são desconfortáveis, mas é não lhes virando as costas com medo da mudança, que o mundo avança. Por isso, não tenham preconceito com todas as mulheres que falam desta merda.

E isto tudo torna-se importante porque eu quero ser mãe um dia e gostava muito de deixar um mundo um bocadinho mais justo. Ou pelo menos um mundo onde dizer “és um c****” ou “jogas como uma menina”, é um elogio do c******.
Por isso, vejam lá isso.

— Texto da autoria de Cátia Domingues

 

Artigos relacionados