Combater a Violência Doméstica

Combater a Violência Doméstica

A. Objetivos

  1. Formular uma estratégia multidisciplinar de modo a garantir uma melhor e mais célere resposta do Estado em situações de violência doméstica.
  2. Garantir a melhor formação e sincronização entre tribunais, as forças de segurança e as organizações de apoio à vítima.
  3. Criação de medidas de prevenção.
  4. Investir em mecanismos de prevenção e intervenção sobre o putativo agressor, atuando de forma educacional e ressocializadora.
  5. Investir em medidas de prevenção.

B. Racional

  1. A violência doméstica é um crime com milhares de vítimas em Portugal. O crime de violência doméstica envolve, na sua essência, uma assimetria de poder entre o agressor e a vítima, concretizada não só através da violência física, mas também psicológica, económica e/ou sexual. Apesar de as vítimas deste crime serem maioritariamente mulheres, a violência doméstica afeta também homens, crianças e familiares que coabitam com os agressores, incluindo mães e pais.
  2. As recomendações internacionais sobre o combate à violência doméstica passam por uma intervenção global e não circunscrita ao direito penal. Sendo a violência doméstica um fenómeno complexo, a resposta ao mesmo terá de ser transversal e abrangente, sob pena de não ter os efeitos pretendidos
  3. É necessária uma estrutura que vise entrecruzar informação e conhecimentos entre todas as instituições e organismos que intervêm na problemática da violência doméstica. É preciso investir numa intervenção que não passe apenas pela punição, mas também pela educação, promoção do comportamento não violento e a resolução pacífica de conflitos.
  4. É importante formular uma intervenção multidisciplinar capaz de celeridade e urgência, de modo a não só investir na segurança da putativa vítima, mas também na reeducação dos putativos agressores. Assim, poderemos garantir uma resposta por parte do Estado mais eficaz e adequada.

C. Proposta

  1. Processo Judicial: Urgência e Proteção da Vítima
    1. Implementação de uma ordem de proteção, uma intervenção rápida com o objetivo de proteger a vítima. Em 48h após a apresentação do pedido de proteção, o juiz deverá marcar uma audiência urgente na qual estarão presentes a vítima (ou representante), o Ministério Público e o putativo agressor e respetivo advogado.
      • Acionada a proteção da vítima
      • Disponibilização de abrigo
      • Possível ordem de afastamento do agressor
      • Confiscar quaisquer armas ou objetos perigosos
      • Audiência urgente em 48h
    2. As vítimas de violência doméstica devem ter acesso a serviços sociais de urgência, apoio e acolhimento, e recuperação. Isto inclui acompanhamento psicológico, apoio educativo à unidade familiar e apoio à formação e inserção laboral.
    3. Promover a participação dos municípios na rede de apoio à habitação para vítimas de violência doméstica, de modo a facilitar o refúgio e proteção das mesmas. A necessidade anual é de aproximadamente 250 casas – em 2018, apenas 31 habitações foram cedidas. Os órgãos de gestão local desta rede devem ter contato direto com as associações de apoio à vítima.
    4. Promover o investimento privado na rede de apoio à habitação para vítimas de violência doméstica, garantindo o pagamento (pelo município) de uma renda negociada e cedendo benefícios fiscais aos investidores.
  2. Processo Judicial: Direitos laborais e Proteção
    1. A vítima terá direito à renegociação, redução e/ou reordenação do seu tempo de trabalho, à mobilidade geográfica e à mudança do local de trabalho, quando possível.
    2. As ausências ou faltas de pontualidade da vítima motivadas pela sua situação física e/ou psicológica serão consideradas justificadas.
    3.  As vítimas que sejam trabalhadoras independentes e que cessem a sua atividade para garantir a sua proteção serão consideradas isentas das suas obrigações fiscais durante um período de 6 meses.
    4. As vítimas de violência doméstica serão consideradas coletivos prioritários no acesso a habitação protegida e habitação social.
    5. Alargamento do período do subsídio de desemprego
    6. Possibilidade de baixa de curto prazo até duas semanas em casos menos graves e que não envolvam a ameaça à integridade física, para permitir a recuperação da vítima, e em casos de mudança de residência. Em casos mais graves, de ameaça à integridade física, a vítima poderá ter baixa de quatro a oito semanas.
  3. Processo Judicial: Molduras Penais e Penas Acessórias
    1. O atual contexto jurídico entende que os crimes de ofensa à integridade física grave, de sequestro qualificado, de coação sexual e de violação são de subsidiariedade expressa. Prescrevendo a lei que o agressor “é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por foça de outra disposição legal”, isto implica que a pena prevista para estes crimes afasta a pena da violência doméstica. Isto levanta inúmeros problemas que concorrem para a desproteção da vítima em casos de maior gravidade, casos em que a proteção da mesma é mais exigível e necessária.
      Adicionalmente, o recurso à regra da subsidiariedade impede a aplicação de penas acessórias especialmente vocacionadas para fazer face às situações de violência doméstica. Isto significa que, em casos mais graves, em que é necessário proteger a vítima com recurso a todas as medidas penais, processuais penais e extrapenais, o recurso à regra da subsidiariedade impede a sua aplicação.
      Nestes casos de maior gravidade, o agressor deve ser punido com pena mais grave por força de outras disposições legais, devendo ainda responder pelo crime de violência doméstica, havendo consideração pela especial relação entre o agressor e vítima. Deverão ainda ser aplicadas as penas acessórias adequadas e as necessárias medidas de proteção da vítima.
    2. Facilitação da aplicação das penas acessórias de modo a proteger e impedir qualquer circunstância que perturbe a vítima. Estas penas poderão passar pela proibição de contato com a mesma – podendo incluir o afastamento do local de trabalho, a inibição do poder paternal e a frequência obrigatória do Programa para Agressores de Violência Doméstica. O seu incumprimento deve ter sanções legalmente consagradas para além da possibilidade de responder noutro processo penal pelo crime de violação de proibições ou interdições.
  4. Processo Judicial: Coordenação entre Tribunais e Coordenação Multidisciplinar
    1. As forças policiais, os juízes e Ministério Público, os serviços de saúde, a Segurança Social e as organizações protetoras das vítimas devem atuar de forma coordenada e sincronizada. Cada serviço poderá solicitar ao juiz medidas urgentes que considerarem necessárias.
    2.  Em casos que envolvem a regulação das responsabilidades parentais, os diferentes tribunais e instituições – Tribunal Penal, Tribunal de Família e CPCJ – devem atuar de forma harmonizada e concertada, evitando casos em que é favorecida a custódia partilhada em situações de violência doméstica, como acontece atualmente.
    3. É necessária maior celeridade por parte da Segurança Social para nomear um advogado para os casos de violência doméstica. A Segurança Social deve nomear apenas um advogado para todos os casos (família, divórcio, violência, etc.), e não obrigar a vítima a efetuar pedidos diferentes que terão respostas diferentes, lentas e não coordenadas. Isto deve envolver a formação e capacitação de advogados para garantir maior celeridade e eficácia.
    4. Maior e melhor sincronização entre as forças de segurança, as associações de apoio à vítima e os tribunais. Melhor formação e sensibilização das forças de segurança e tribunais para o tema, de modo a que possam orientar as vítimas mais eficazmente
  5. Prevenção e Intervenção: Educação
    1. Promoção da resolução pacífica de conflitos, da cooperação e da não- violência.
    2. Promoção do exercício da tolerância e respeito.
    3. Escolarização imediata das crianças vítimas (e testemunhas) de violência doméstica. Uma escola no local de realojamento da família deve atribuir imediatamente uma vaga, podendo, para o efeito, exceder o número de alunos por sala definido legalmente sem necessidade de autorização prévia do ministério.
    4. Promoção da sensibilização para a violência doméstica – conhecimento da problemática, identificação – nas crianças a partir do quinto ano de escolaridade. Sensibilização dos professores, de modo a que este problema possa ser identificado precocemente.
    5. Escolarização imediata das crianças afetadas pela mudança de residência por consequência de violência doméstica.
  6. Prevenção e Intervenção: Reeducação e Programas
    1. O desenho dos programas de intervenção junto dos agressores não deve continuar a ser estandardizado. Qualquer intervenção deve ser individualizada e adaptada a cada agressor, de modo a garantir a sua eficácia.
    2. Os programas de intervenção junto dos agressores devem comunicar com as autoridades e os tribunais de modo a atuarem de forma sincronizada e a garantir a eficaz partilha de informação em caso de reincidência.
  7. Prevenção e Intervenção: Saúde
    1. Otimização do sector da Saúde na prevenção da violência doméstica.
    2. Promoção de medidas para a deteção precoce de violência doméstica.
    3. Programas de sensibilização e formação dos funcionários para impulsionar os diagnósticos precoces, e a assistência e reabilitação das vítimas de violência doméstica.
  8. Prevenção e Intervenção: Comunicação e Campanhas
    1. As atuais ações de sensibilização e campanhas relacionadas com a violência doméstica negam a projeção das habituais imagens da “mulher batida”, que enfatizam a vitimização da mulher. As novas campanhas de combate ao crime da violência doméstica investem na projeção do empoderamento das mulheres e também no alargamento do conceito de vítimas, de modo a aumentar a consciencialização de que qualquer pessoa pode ser vítima de violência doméstica. É importante investir em campanhas que visem empoderar os cidadãos e encorajar mais mulheres e homens, também como familiares afetados, a denunciar este crime, de modo garantir a sua segurança.

D. Questões Frequentes

Porque não obrigamos a vítima a sair de casa se for vítima de violência doméstica? Porque não tornamos a violência doméstica um crime de ordem pública, de modo a que a vítima, condicionada psicologicamente, não possa desistir do caso?

A violência doméstica é um crime complexo. Apesar de ser importante reconhecer o frágil estado psicológico da vítima, não achamos que o Estado se deva impor contra a vontade expressa pela mesma. Adicionalmente, impondo à vítima a sua presença num julgamento contra a sua vontade apenas servirá para descreditar a justiça, visto que a vítima, não querendo depor, poderá recusar testemunhar ou mentir em tribunal. Sobretudo, não achamos que a vítima deva passar pela agressão de ser obrigada a testemunhar contra a sua vontade. O objetivo da IL é promover a liberdade, incluindo a liberdade de escolha.

A resposta para este tipo de casos deve passar pela disponibilização de todos os recursos existentes de apoio e assistência à vítima. Apesar de termos a responsabilidade de zelar pelo bem-estar dos cidadãos, não devemos obrigar ninguém a fazer nada por mais que nos pareça o melhor caminho. Devemos construir as oportunidades para que a pessoa mais facilmente possa tomar uma decisão para garantir o seu bem-estar.