Dar autonomia administrativa, financeira e pedagógica às escolas públicas

Dar autonomia administrativa, financeira e pedagógica às escolas públicas

A. Objetivos

  1. Empoderar as escolas públicas do ensino básico e secundário para o planeamento e realização eficazes dos seus projetos educativos, através da atribuição de autonomia administrativa, financeira e pedagógica.
  2. Garantir e manter a modernização tecnológica das escolas públicas.
  3. Corrigir a influência de condições socioeconómicas desfavoráveis durante a escolaridade obrigatória em escolas públicas.
  4. Assumir Educação como área estratégica e crítica para o desenvolvimento do país, garantindo estabilidade a 10 anos de políticas, processos e financiamento, alterando o papel do Estado9

(9) Ministério da Educação (Ministério) ou autarquias, conforme aplicável.

B. Racional

  1. A importância de formar pessoas intelectualmente autónomas (em sentido lato).
  2. Em sociedades modernas, a criação de valor faz-se crescentemente por aplicação de conhecimento a ações concretas para o incorporar em produtos, serviços e processos. Ora conhecimento é criado dentro da cabeça das pessoas quando elas compreendem uma situação, resolvem um problema ou adquirem competências e capacidades através de processos de aprendizagem, formal ou informal. Por esta razão, a Educação que caracteriza as pessoas é um fator determinante para a criação de riqueza no país e assegurar vidas com mais significado.
  3. A limitação ao desenvolvimento do país por via de Educação surge por duas vias: (1) pessoas detentoras de conhecimento reduzido estarão sempre em posição mais frágil em qualquer sociedade, porque menos capacitadas para aplicação ou incorporação de conhecimento, com a correspondente limitação do valor do seu trabalho, e (2) para crescerem e criarem mais benefícios para acionistas e colaboradores, as empresas necessitam de criar mais valor, o que apenas se consegue aumentando o seu grau de especialização.
  4. Tal exige uma maior incorporação de conhecimento na sua gestão, nos produtos e serviços que vendem e nos processos que governam o seu funcionamento e o acesso aos mercados em que operam. A criação de conhecimento em pessoas e empresas torna-se, assim, crítica.
  5. A autonomização intelectual das pessoas exige que elas tenham aprendido a (1) criar conhecimento dentro das suas cabeças, através de saber pensar, ou seja, saber processar informação de forma crítica e criativa, a (2) criar valor, através da aplicação desse conhecimento em ações concretas e incorporando-o em produtos, serviços e processos, e a (3) expandir esse valor, através de comunicar com clareza com pessoas e instituições para criar redes pessoais, profissionais e sociais, explorando sinergias e complementaridades, introduzindo também resiliência na sua vida. Por outras palavras, autonomizar intelectualmente uma pessoa significa que a pessoa aprendeu a olhar a realidade em torno de si, a construir modelos alternativos para a compreender, utilizando ferramentas intelectuais que adquiriu através de aprendizagem, a interpretar possíveis entendimentos alternativos e, subsequentemente, a tomar decisões e a agir com base no conhecimento gerado, comunicando com outras pessoas com clareza e, portanto, eficácia.
  6. Através de aprendizagem, é essencial adquirir quer ferramentas de natureza técnica quer psicológica e social. As ferramentas técnicas importam diretamente para o exercício de uma atividade profissional que envolva ciências, humanidades, artes, ofícios, desporto, indústria ou serviços; porém, elas não bastam e são igualmente essenciais ferramentas de natureza psicológica e social, das quais destaco duas pela sua importância na construção de uma vida plena de significado: “Linguagem”, que permite uma comunicação eficaz, e “Atitudes”, que permitem comportamentos valorizados numa sociedade moderna. De entre todas as atitudes possíveis de considerar, destaca-se a orientação sistemática à resolução de problemas pois essa é a atitude que potencia a criação de mais valor para todos os intervenientes, porque viabiliza a construção de situações em que todos os intervenientes ganham.
  7. Autonomia intelectual, assim, é considerada num sentido lato. Necessariamente, pessoas com esta característica aprenderam a aprender ao longo da vida, uma capacidade essencial para o seu futuro. Em consequência, o foco de Educação tem de ser colocado na aprendizagem e não no ensino, e a aprendizagem tem de visar a autonomia intelectual, incluindo nela competências, linguagem e atitudes.
  8. Escolas públicas com autonomia administrativa, financeira e pedagógica. Os processos de aprendizagem que conduzem à autonomização intelectual de jovens executam-se idealmente em ambientes escolares com elevado grau de autonomia.
  9. Apenas este tipo de escolas tem a liberdade necessária – e a correspondente responsabilidade e autoridade – para conceber e executar projetos educativos bem como métodos e processos pedagógicos centrados nos alunos que a escola admitiu, no contexto das condições socioeconómicas que caracterizam o meio onde a escola se insere. Uma escola com autonomia é sempre mais eficaz a garantir uma correta aprendizagem por parte dos alunos, pois pode sempre identificar oportunidades e necessidades específicas e atuar rapidamente em conformidade, algo que uma burocracia central não consegue.
  10. A excessiva e crescente centralização por parte do Ministério tem feito aumentar a burocracia, enquanto desresponsabiliza e desmotiva escolas, professores, alunos e famílias e inviabiliza a formação de pessoas intelectualmente autónomas ao tratar todos os alunos por igual, independentemente das características e interesses de cada um. Uma situação deste tipo não estimula a aprendizagem dos alunos que não apresentam dificuldades em progredir nem daqueles que as apresentam. Formar pessoas intelectualmente autónomas, no sentido lato como acima definido, exige que as escolas operem com autonomia.
  11. Autonomizar escolas significa atribuir-lhes autonomia administrativa, financeira e pedagógica, profissionalizando a sua gestão e elevando o seu nível de responsabilidade e autoridade, dando-lhes liberdade para definir e executar projetos educativos definidos localmente, que se propõe cubram um período de 5 anos, constituindo verdadeiros planos estratégicos de cada escola, bem como contratar docentes, estabelecer e ajustar turmas, programas, métodos e processos pedagógicos, realizar o acompanhamento regular de professores e alunos e avaliações internas.
  12. Reformular o papel do Estado10 para que se constitua como parceiro das escolas no cumprimento da sua missão. Enquanto “gestor do dinheiro” que vai financiar em todo ou em parte11, a aprendizagem dos alunos nos ciclos Pré-Escolar, Básico e Secundário, o Ministério deve assegurar o financiamento e correto funcionamento dos projetos educativos que as escolas públicas proponham e que tenham sido aprovados. Tal significa garantir as condições técnicas, logísticas e de apoio à gestão que sejam necessárias para a sua execução, acompanhamento, avaliação e ajustamento.
  13. O funcionamento atual do Ministério é pouco racional, profissional e operacional. É essencial simplificar, descentralizar, despolitizar e profissionalizar a estrutura e o funcionamento do Ministério para garantir maior racionalidade, operacionalidade e estabilidade às políticas educativas e aos processos de aprendizagem.
  14. É igualmente essencial eliminar o papel centralizador e híper-interventivo do Ministério, reduzindo a sua intervenção ao estabelecimento de objetivos a atingir em cada ciclo escolar e das linhas gerais do curriculum a cumprir, e apenas das linhas gerais, ao apoio à gestão das escolas públicas, à sugestão e apoio na execução de métodos e processos pedagógicos e à avaliação global de resultados a nível de cada escola e aluno. O Ministério deve passar a desempenhar o papel de parceiro no desenvolvimento da missão das escolas, abandonando o papel de dono das escolas públicas obcecado com o seu controlo.
  15. O Ministério tem de dispor de uma tecnoestrutura altamente qualificada e motivada, descentralizada e isolada da influência de ciclos eleitorais e de ideologias da moda. Nomeações de confiança política apenas deverão ocorrer para cargos acima de Diretor-Geral, considerando-se que as nomeações para Diretor-Geral e para todas as demais funções de nível hierárquico inferior são de natureza técnica. Este aspeto é essencial, dado que as nomeações políticas têm desempenhado um papel frequentemente pernicioso na racionalidade, qualidade e eficácia do sistema educativo.
  16. Esta reformulação do papel do Estado implica alterações importantes na sua organização e funcionamento, que estão propostas na Medida 3 abaixo.
  17. Profissionalizar a gestão das escolas públicas. Atualmente, a  gestão das escolas enferma de graves deficiências, ao centrar-se em professores que, frequentemente, não dispõem das competências e experiência necessárias. Propõe-se que a gestão passe a ser realizada por uma Comissão Executiva de 3 pessoas, nomeadas/eleitas por um período de 5 anos, não renovável, e que trabalhem em equipa: (1) Uma pessoa profissional com o pelouro de planeamento, gestão e controlo financeiro, que terá a responsabilidade de preparar e submeter planos, realizar análises financeiras e ações de controlo no âmbito do projetos educativo que a escola entenda propor ou tenho visto aprovado pelo Ministério, assim como coordenar a gestão dos recursos humanos da escola, (2) Um professor com o pelouro pedagógico, eleito e assessorado por um Conselho Pedagógico formado pelos professores da escola, com responsabilidade na definição de projetos, métodos e processos pedagógicos, incluindo a definição detalhada do curriculum académico que a escola escolheu dentro das linhas gerais definidas pelo Ministério, e (3) Um representante do Estado12, responsável pela operação e manutenção da infraestrutura da escola, incluindo equipamentos, obras e serviços vários como limpeza, segurança e outros; o correspondente orçamento está incluído no orçamento global do projeto educativo a 5 anos que a escola viu aprovado pelo Ministério.
  18. Garantir a modernização tecnológica das escolas públicas. Para que Educação seja eficaz no que respeita à aprendizagem dos alunos, as escolas públicas têm de estar equipadas de forma adequada. É necessário assegurar acesso à internet por fibra ótica, rápido e fiável, assim como garantir um computador por aluno, configurado com um sistema operativo moderno e aplicações atualizadas. As ferramentas mais adequadas para o desenvolvimento de software (linguagens de programação, ferramentas para simulação de problemas e visualização de dados, bases de dados, ferramentas tipo Office) e apoio à realização e controlo de projetos (microprocessadores, aquisição de dados…) também devem estar disponíveis para os alunos
  19. A escola terá́ igualmente de dispor de laboratórios de apoio às várias matérias lecionadas, como Física, Química, Biologia, Artes, Música, Oficinas, IT e outras, apoiando-os com equipamento apropriado e técnicos de apoio que cubram as várias áreas disciplinares do curriculum. Desta forma os alunos poderão realizar projetos e adquirir experiência através da utilização de equipamentos e materiais, interpretando e aprendendo com os resultados obtidos e a sua discussão. A disponibilidade destes meios é essencial para uma aprendizagem eficaz, já que muitas oportunidades melhor remuneradas de trabalho exigem conhecimentos de IT e técnicas práticas que envolvem materiais e equipamentos diversos, que as escolas frequentemente não têm conseguido assegurar por falta de condições.
  20. É igualmente necessário garantir condições adequadas de trabalho para professores.
  21. Corrigir a influência de condições socioeconómicas desfavoráveis através da escolaridade obrigatória em escolas públicas.
  22. A população estudantil, em Portugal, desde o início do Básico até ao final do Secundário ou de vias Técnico-Profissionais alternativas, apresenta com frequência fragilidades de vários tipos que condicionam a sua capacidade de aprendizagem e a forma como encaram o papel da escola na preparação do seu futuro.
  23. A escola pública tem de procurar corrigir essas dificuldades de forma competente, pois de outra forma verá diminuída a sua eficácia quer a nível da aprendizagem quer do abandono escolar. Colmatar estas dificuldades constitui responsabilidade primária da sociedade e permite aos jovens irem minorando o impacto das suas condições iniciais.
  24. Algumas das fragilidades que ocorrem são devidas a condições socioeconómicas degradadas à entrada, que impactam na saúde física e mental das crianças e dos jovens. Do lado da saúde física, a escola deve prestar atenção especial à higiene e à alimentação, dois aspetos frequentemente descurados em famílias ou ambientes com condições socioeconómicas degradadas. Uma alimentação capaz é essencial para que uma criança ou jovem possa estudar e aprender com motivação e eficácia. Infelizmente, o número de crianças e jovens em idade escolar que afirmam ter fome antes de chegar à escola ou antes de se deitar, duplicou nos últimos 20 anos de acordo com um estudo recente13. Por outro lado, a deteção atempada e o acompanhamento de questões do foro da saúde mental são igualmente essenciais.
  25. Defende-se que cada escola – ou agrupamento escolar – esteja equipada com uma cantina que sirva pequeno almoço, almoço e lanche diários, assim como serviços de apoio de enfermagem, medicina e psicologia. Estes serviços devem estar equipados com pessoal habilitado a fazer o acompanhamento dos alunos e a detetar condições que exijam ou mereçam encaminhamento para serviços externos.
  26. Em todos estes processos de acompanhamento dos alunos, as escolas deverão estar em contacto estreito com as famílias.

(10) Ministério ou autarquias, conforme aplicável.
(11) Ver Proposta #2 do Iniciativa Liberal.
(12) Ministério ou autarquias, conforme aplicável.
(13) Jornal Económico, 6 de Dezembro de 2017, https://tinyurl.com/y2nadlwc. Jornal de Notícias, edição de 8 de Novembro de 2012, https://tinyurl.com/y3pqh55x. (acessos em 8 de Março de 2018)

C. Proposta

  1. Dar autonomia administrativa, financeira e pedagógica às escolas públicas. Tal exige profissionalizar a sua gestão e elevar o seu nível de responsabilidade e autoridade, dando-lhes liberdade para definir e executar projetos educativos a 5 anos, gerir o orçamento aprovado oficialmente para os seus projetos, contratar docentes, estabelecer e ajustar turmas, programas, métodos e processos pedagógicos, acompanhar professores e alunos e realizar avaliações internas.
  2. Estabelecer um acordo político sobre Educação entre os principais partidos políticos com assento no Parlamento, válido para um horizonte temporal de 10 anos. Esse acordo conterá as linhas gerais que caracterizarão as principais políticas educativas a vigorar nesse período e poderá ser afinado a cada 5 anos.
  3. Reformular o papel do Estado nas seguintes vertentes:
    1. Reposicionamento do Estado por forma a passar a ser parceiro no cumprimento da missão de todas as escolas e não dono das escolas públicas obcecado com o seu controlo (micro-management);
    2. Simplificar, descentralizar, despolitizar e profissionalizar a sua estrutura e funcionamento para garantir maior racionalidade, operacionalidade e estabilidade às políticas educativas e aos processos de aprendizagem, garantindo independência de ciclos eleitorais e influências partidárias;
    3. Reforçar a qualidade da tecnoestrutura que intervenha em matérias de Educação, no Ministério e nas autarquias. Garantir que nomeações de confiança política apenas deverão ocorrer para cargos acima de Diretor- Geral, considerando-se que as nomeações para Diretor-Geral e para todas as demais funções de nível hierárquico inferior são de natureza técnica;
    4. Avaliar e aprovar os projetos educativos a 5 anos que cada escola pública tenha preparado e submetido, contribuindo ativamente para a sua melhoria e eficácia de realização através da concessão do apoio necessário para a sua correta execução e gestão;
    5. Realizar a avaliação global dos resultados de cada projeto educativo;
    6. Definir as linhas gerais do currículo a cumprir a nível nacional por todas as escolas, públicas e privadas, e apenas as linhas gerais;
    7. Definir os objetivos mínimos de aprendizagem a atingir no final de cada ciclo educativo, Pré-Escolar, Básico e Secundário, assim como as provas nacionais que deverão ocorrer no final dos ciclos Básico e Secundário para verificar se esses objetivos mínimos foram ou não atingidos;
    8. Transferir para a autarquia em que cada escola ou agrupamento escolar se insere as responsabilidades e autoridade adequadas para que a representação do Estado na vida das escolas, em complemento da autonomia das escolas, passe a ser responsabilidade da autarquia. Garantir que cada autarquia dispõe dos recursos humanos e das competências necessárias para realizar esta missão com eficácia, sem o qual tal transferência não poderá ser realizada;
    9. Com as transferências referidas no ponto anterior, as responsabilidades da autarquia passarão a ser (1) definir a estratégia de Educação para o município ou região, (2) definir, coordenar e ajustar a oferta formativa no município ou região, (3) definir e coordenar a rede de transportes escolares que se revele necessária, e (4) participar nas direções escolares para garantir coerência das políticas educativas estabelecidas pelo município.

D. Questões Frequentes

Considerando o peso da máquina burocrática do atual Ministério, até que ponto são viáveis reformas significativas do sistema educativo?

Desde há muitos anos que é reconhecida a necessidade de reformar o Ministério, assegurando no seu serviço os melhores profissionais, despolitizando-o e descentralizando a sua ação. O Ministério tem de passar a atuar sobretudo nos extremos: num extremo legislar com competência e eficácia, estabelecendo e executando um modelo eficaz de rede e de processos, no outro extremo fiscalizar com rigor e eficácia. No meio, deve atuar como parceiro na execução dos projetos educativos das escolas, assegurando acompanhamento das ações previstas e avaliando o seu funcionamento com eficácia. É de prever que o que se propõe possa conduzir a uma redução de custos na área de Educação, ou, no mínimo, a uma alocação mais racional de recursos e agilização de processos. A equipa dirigente do Ministério tem de ser capaz de definir e executar novos modelos, como o que se propõe, incluindo a diminuição do número de burocratas e da carga burocrática atualmente exigida às escolas e aos professores, que é absurda. Assim o futuro exige.

Recentemente, o Estado publicou leis que governam a transferência de responsabilidades para as autarquias. Não está já integralmente prevista a descentralização em matérias de Educação?

Não. A legislação publicada é medíocre e traduz uma visão centralista e irresponsável do que deve significar descentralização. Muitos municípios não aceitaram subscrever essa legislação, que prevê que as autarquias passem a executar tarefas para o Estado, mantendo o Estado poder real sobre as decisões mais importantes e controlo dos meios financeiros. O Iniciativa Liberal propõe um modelo radicalmente diferente, descrito nesta Proposta #1, em que responsabilidades, autoridades e meios financeiros são transferidos para as escolas, para que elas executem os seus projetos educativos a 5 anos com eficácia, enquanto que responsabilidades complementares são transferidas para as autarquias. Em paralelo, o Iniciativa Liberal exige que o Estado central demonstre que os serviços transferidos deixaram de existir na sua estrutura original, conduzindo a uma diminuição real e verificável do peso do Estado central na sociedade e a uma racionalização do seu funcionamento.