Em entrevista prestada no âmbito da sua colaboração na equipa Portugal 2040, do Iniciativa Liberal,
Vida Económica – Tem sido sempre um crítico sobre a saúde em Portugal, com uma visão moderna e inovadora. Como vê a situação atual?
António Lúcio Batista – Portugal criou um Serviço Nacional de Saúde que principalmente a partir de 1979 sofreu grande evolução e tem sido considerado uma conquista da revolução pelos cidadãos. Além do Serviço Nacional de Saúde, existem outros subsistemas, como a ADSE ou a ADM e os seguros de saúde. Estes sistemas têm alguma vantagem, destacando-se a liberdade de escolha do médico e da instituição, a rapidez de atendimento e a ausência de listas de espera para consultas e tratamentos. Só por si, estas vantagens têm grande relevância e efeitos práticos na saúde.
VE – Tem havido pouco investimento na saúde e há quem diga que o Serviço Nacional de Saúde está em degradação. Por outro lado, há várias guerras, nomeadamente da ADSE com os grupos hospitalares privados, os profissionais da enfermagem, os técnicos paramédicos e problemas com os medicamentos. A que se deve esta situação?
ALB – À medida que a sociedade se desenvolve em Portugal e na Europa, o grau de exigência aumenta. As pessoas não aceitam tempos de espera longos. Isso causa inconformismo e insatisfação, além de “deseconomias”. Aqueles que trabalham por conta própria ou os empresários não podem perder tempo e exigem resolução rápida dos seus problemas. Por outro lado, a evolução tecnológica conduz a diagnósticos mais sofisticados, mais precisos e mais rápidos. Os cidadãos que consulto de manhã pretendem exames à tarde e, se necessário, cirurgia à noite. Não querem a angústia de longas esperas e os riscos de não receberem tratamento atempado. Preferem um serviço eficaz e, por isso, dois milhões já têm seguros de saúde privados.
Estas guerras têm por base a dificuldade de qualquer ministro em gerir um sistema de saúde gigante, centralista, sem autonomia de gestão das suas unidades, burocrático e despesista. Falta dinheiro, falta compreender os profissionais de saúde, disponíveis para superar até ao limite as dificuldades de trabalhar horas e horas, mas que têm de sentir a equipa coesa e solidária. Em Portugal, não há reconhecimento por mérito.
VE – Tem havido críticas a urgências médicas superlotadas.
ALB – A emergência médica é a prioridade das prioridades para todos. Todos querem resposta rápida num caso de um acidente ou doença aguda. A colaboração do INEM (atualmente é este o serviço) e a sua rápida entrada na linha própria da urgência especializada sem perdas desnecessárias de tempo é fundamental. Isso pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Nesta área, quer seja o INEM ou, como noutros países, um serviço privado de emergência, não pode haver falhas. O Estado pode subcontratar serviços que funcionam muito bem e que existem e se não estiver satisfeito, ou o modelo atual for muito dispendioso, pode mudar. Não tem que ser o Estado a fornecer o serviço que deve ser pouco burocrático, descentralizado, eficiente e de custos controlados.
VE – E quanto à rede hospitalar e serviços de urgência?
ALB – O país é pequeno. A grelha de urgências poderá envolver o setor público e o setor privado. Para o cidadão, tanto lhe faz que seja um hospital da rede pública ou da rede privada, é o que oferecer melhor serviço e mais rapidamente. O tema dos custos é outro assunto.
VE – Os grupos privados funcionam bem?
ALB – Tanto no público como no privado há serviços muito bons e isso tem a ver com os profissionais. Hoje trabalha-se em equipa, médicos, enfermeiros, técnicos paramédicos, engenheiros, biomédicos, biólogos, etc. Há tecnologias, que estão cada vez mais sofisticadas, o laser, a robótica, a inteligência artificial, as técnicas de imagem computorizada, as imagens em 3D e a medicina nuclear. Estas tecnologias obrigam a equipas multidisciplinares, pelo que nas unidades existem, além de médicos e enfermeiros especializados, muitos técnicos de outras áreas do conhecimento.
VE – E os hospitais estão bem equipados?
ALB – Em Portugal, os hospitais tratam doentes agudos e crónicos. São hospitais mais caros e está demonstrado que os doentes crónicos, que são a maioria, poderiam ser tratados em estruturas menos complicadas e de baixo custo. Estamos a falar de hipertensos, diabéticos, asmáticos e bronquíticos, por exemplo. Estes doentes, uma vez equilibrados, apenas necessitam de vigilância e controlo em instalações adequadas a doentes crónicos.
VE – E os autocuidados que tanto tem defendido?
ALB – Sim. Vai ser cada vez mais importante que todos nós saibamos cuidar e promover a saúde. Portugal tem estado focado na doença. Necessita de se focar na saúde e promoção desta, autoavaliação, alimentação e exercício, hábitos saudáveis, etc. É uma área que pode poupar milhões aos contribuintes a médio prazo.
Controlo do excesso de medicamentos
VE – E os medicamentos?
ALB – Portugal e a Europa, em geral, abusam de medicamentos. Vejo doentes polimedicados, alguns a tomar mais de 20 medicamentos. O abuso de medicamentos, por exemplo nos Estados Unidos, é responsável por 28% de todos os internamentos hospitalares e se fosse considerada causa de morte, seria a quinta causa.
Há uma grande necessidade em toda a Europa de tomar medidas de controlo. Iremos apresentar algumas delas. O excesso de medicamentos também polui o ambiente através da excreção urinária, contaminando as águas do consumo e os solos.
VE – E quanto ao financiamento dos cuidados?
ALB – Os países vão ter de acompanhar a inovação tecnológica com inovação nas formas de pagamento dos serviços e dos produtos. Poderemos dizer que o futuro da saúde será inovação, que, no século XXI, será totalmente diferente. Por um lado, teremos autocuidados. Cada um vai ter de ser mais responsável pela sua saúde, segundo as plataformas com informação e inteligência artificial que vão ajudar aos diagnósticos e a diminuir o erro médico. Por outro lado, os medicamentos inovadores, como terapias genéticas e celulares, custarão milhões. Aí terá de haver formas inovadoras de pagamento, por exemplo, por resultados. O controlo do excesso de medicamentos pode baixar drasticamente o orçamento dos estados, permitindo, de algum modo, fazer face aos custos das terapias personalizadas, cancro, e certas doenças.
VE – Tem sido sempre um independente, mas atualmente está a colaborar na equipa Portugal 2040 do partido Iniciativa Liberal. Que medidas vai apresentar?
ALB – Na saúde não pode haver oscilações bruscas. As mudanças abruptas criam perturbação e têm custos elevadíssimos. Vamos apresentar seis medidas liberalizadoras para o século XXI visando um impacto positivo na saúde dos cidadãos portugueses e um abaixamento dos custos. Passam pela inovação, pela modernização na gestão e política de medicamento e pelo ambiente.
VE – Quais são, mais especificamente?
ALB – São seis áreas que já apresentámos à Comissão Europeia e que serão importantes para todos os países. De certo modo, estão de acordo com as diretivas da Organização Mundial de Saúde – menos barreiras à entrada no espaço europeu de novas empresas e indústrias do setor da saúde, desde a produção à comercialização e aos cuidados, ensino e investigação, por exemplo.
Concorrência baseada na criação de valor no setor da saúde
Gestão de casos clínicos “case management”, gestão de projetos, consciencialização do impacto ambiental na saúde e dos perigos da polimedicação e aconselhamento fármaco-terapêutico.
VE – Como explica a necessidade de “case managers”?
ALB – Portugal tem cerca de 18 profissões na área da saúde. Países mais avançados têm 60. Há aqui lacunas que obrigam, por exemplo, a que os médicos gastem excessivo tempo com atos administrativos. Os seguros de acidentes de trabalho já utilizam, com sucesso, esta ferramenta de secretárias clínicas gestoras de casos em tratamento, “case managers”.
VE – E na área farmacêutica?
ALB – Sugerimos desenvolver a especialidade de consultores fármaco-terapêuticos que poderão ajudar a racionalizar a toma de medicamentos em grandes unidades de doentes crónicos, através de sistemas informáticos e de inteligência artificial. Uma equipa pode controlar um milhão de doentes, por exemplo.
Hospitais e unidades de saúde devem ser obrigados a publicar os seus resultados
VE – E a concorrência baseada na criação de valor?
ALB – Os hospitais e as unidades devem ser obrigados a publicar os seus resultados, que poderão ser um fator de concorrência e de racionalização nos preços. Os que apresentarem bons resultados serão premiados pelos cidadãos, podendo também receber incentivos de outra natureza, como prémios em valor, para ajudar instituições de solidariedade por si desenvolvidas e com total transparência.
VE – E mais uma vez sobre o ambiente?
ALB – Os resultados da investigação da EEA (Agência Europeia do Ambiente) indicam claramente que os medicamentos devem ser usados com moderação para preservar o ambiente e a saúde das pessoas. Um ambiente limpo é essencial para a saúde. Há interações medicamentosas perigosas. A polimedicação definida como a toma de cinco ou mais medicamentos está associada a um elevado número de complicações e internamentos hospitalares.
As águas dos rios com componentes excretados de medicamentos não totalmente metabolizados levam à concentração nos peixes e na cadeia alimentar de parte desses produtos. Interferem também nas espécies pela absorção de hormonas com comprometimento da sua reprodução, para dar um exemplo.
VE – Como explica que Portugal, sendo um pequeno país com limitados recursos, esteja em 13º com 754 pontos, em 2018, no Euro Health Consumer Index?
ALB – Como afirmei atrás, as equipas dos profissionais de saúde são as principais protagonistas para estes resultados. Trabalham até ao limite, chegando a atingir o “burnout”, o esgotamento. Sei do que falo, e quem não compreender isto desconhece o setor. Mas estão a ficar fartos, sobretudo por não serem reconhecidos.
De qualquer modo, se analisar este Euro Health Consumer Index 2018, podemos verificar que os países que estão à frente são os de influência Bismarck, que se baseiam em seguros de saúde, como a Suíça, Holanda, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Finlândia e Alemanha, por exemplo.
Com os mesmos recursos podemos fazer melhor mudando algumas ferramentas, inovando na gestão e motivando as equipas, premiando o mérito pela livre concorrência.
VE – E a fórmula mágica?
ALB – Vamos, por assim dizer, apresentar uma “fórmula mágica” para a mudança. Neste momento existe uma insatisfação generalizada de utentes e profissionais (I) que reconhecem ou que acarreta a vontade de mudanças importantes (V).
Por outro lado, existe uma resistência (R) muito grande às mudanças no setor centralista, burocrático, e pouco eficiente. O que é necessário é dar os dois passos para ir mudando o sistema (2P). Por exemplo, abrir a ADSE a quem desejar entrar e facilitar os seguros de saúde, são dois passos importantes.
VE – E o financiamento?
ALB – É estimulante observar como no mundo avançado se começa a falar de modo diverso nesta questão do financiamento da saúde. Um interessante artigo de Veronique de Rugy explica como o futuro da saúde é a inovação, e não o controlo governamental.
Dado que a inovação vai atingir de modo importante todos os setores da saúde, com principal destaque para as terapias inovadoras e para o diagnóstico, que custarão não milhares, mas muitos milhões, terá de haver também formas inovadoras de pagamento. Novas formas de remunerar a indústria da saúde estão em discussão, desde o pagamento por resultados, e, naturalmente, é indispensável alterar legislação antiquada.
Aqui está uma área importante para gestores criativos fazerem a diferença, e podem fazer a diferença entre a vida e a morte.