Opinião – CGP – O trilema da miséria

Uma elevada carga fiscal, com um poder concentrado e uma elite económica nas mãos do Estado cria uma economia paralisada e incapaz de criar valor.

Há três características de uma economia socialista que afectam o potencial de crescimento económico de um país: a elevada carga fiscal, o centralismo e as restrições à concorrência. A carga fiscal retira incentivos ao trabalho e investimento, dando ao Estado os meios para exercer o seu poder. O centralismo garante que esse poder está concentrado no menor número possível de pessoas e mais distante do escrutínio, abrindo a possibilidade de abusos e corrupção. As restrições à concorrência garantem que tudo aquilo que existe fora do estado está suficientemente concentrado para ser dependente e poder ser manipulado pelos políticos.

Um país que junte as três características concentrará todo o poder económico, público e privado, numa pequena elite capaz de o manipular para seu uso pessoal. Num país assim, será muito difícil distinguir entre poder económico e político porque um estará sempre ao serviço do outro e ambos estarão concentrados numa pequena elite (faz lembrar alguma coisa?).

Regra geral, um país consegue suportar um destes ingredientes e ainda assim ter uma boa performance económica. Os países escandinavos têm elevadas cargas fiscais, mas sendo países descentralizados e com mercados mais livres do que a média da União Europeia, conseguem ainda assim prosperar. A Dinamarca, por exemplo, é o país mais descentralizado de toda a UE, a Suécia é o 3º e a Finlândia o 6º. Isto contrasta com Portugal que é o 4º a partir do fim, apenas sendo superado no centralismo pelo Luxemburgo (que não tem muito para onde descentralizar), a Grécia (outro exemplo de miséria económica) e a Irlanda.

A Irlanda, diga-se, é um dos poucos países europeus mais centralistas do que Portugal, mas ainda assim conseguiu o seu milagre económico graças a uma redução da carga fiscal e a reformas que permitiram a liberalização de vários mercados, sendo assim outro exemplo de como um país consegue aguentar um dos ingredientes da miséria desde que se livre dos outros dois. A Irlanda é mesmo o país da UE melhor colocado no índice de liberdade económica da Heritage Foundation, num fantástico 6º lugar.

Finalmente, algumas potências económicas asiáticas continuam a ter restrições à competição e ao livre mercado, mantendo monopólios em alguns sectores (normalmente monopólios estatais), mas ainda assim conseguem prosperar por terem cargas fiscais muito baixas e o poder descentralizado (ou serem países demasiado pequenos para que o problema do centralismo se possa colocar).

Sempre que se fala dos malefícios da elevada carga fiscal, há alguém que aponta para os países escandinavos como exemplo de boa performance económica com elevados impostos, esquecendo do nível de descentralização e liberdade económica desses países. Quando se fala em centralismo, aponta-se o exemplo da Irlanda, esquecendo, mais uma vez, a forma como eliminou os outros dois ingredientes de miséria. O mesmo para o corporativismo ainda existente em alguns tigres asiáticos. É sempre possível encontrar um exemplo de um país com sucesso apesar de aplicar um dos ingredientes da miséria socialista, mas apenas por ter eliminado os outros dois.

Quando se juntam os três ingredientes, não há como escapar à miséria. Uma elevada carga fiscal, com um poder concentrado e uma elite económica nas mãos do Estado cria uma economia paralisada e incapaz de criar valor. Esta última descrição faz lembrar alguma coisa? Na verdade, aplica-se que nem uma luva a Portugal.

Portugal tem uma carga fiscal mais elevada do que os países com desenvolvimento económico semelhante (Polónia, Eslováquia, Eslovénia). Portugal é também um dos países mais centralistas da Europa, como vimos acima. Finalmente, uma certa cultura corporativista e de “defesa dos centros de decisão nacional” também limita em muito o funcionamento livre dos mercados.

Contrastando com o 6º lugar da Irlanda no Índice de Liberdade Económica, o 12º da Dinamarca e o 15º da Suécia, Portugal está no 71º, 5 lugares abaixo do Azerbaijão. Portugal junta assim todos os ingredientes da miséria: a elevada carga fiscal, o centralismo e as restrições à concorrência. Juntando todos os ingredientes da miséria, não é, portanto, surpreendente que Portugal esteja num período de estagnação económica que dura há 20 anos.

Ao contrário do que muitos analistas gostam de apontar, a culpa não é do Euro ou da União Europeia. Nesse mesmo período, houve países que, dentro do Euro e da UE, sujeitos às mesmas regras que Portugal, se desenvolveram de forma notável. A culpa é da perseverança dos três ingredientes da miséria.

Para sair da prisão da estagnação, Portugal tem que se livrar dos ingredientes da miséria. Tem que fazer uma reforma fiscal que reduza substancialmente a carga fiscal, descentralizar o poder e liberalizar os mercados. Se, por motivos ideológicos ou práticos, alguém considerar que um destes ingredientes deve ser mantido, então deve ser o maior defensor da ideia de Portugal se livrar dos outros dois.

Inconscientes deste trilema da miséria, é demasiado comum ver os defensores de um dos ingredientes a defender também os outros dois. Infelizmente para todos nós, têm sido quase só esses a governar-nos nos últimos 20 anos. Mas sem nos convencermos que precisamos de nos livrar destes três ingredientes e de quem os defende, só nos podem esperar mais 20 anos de miséria.

Carlos Guimarães Pinto, Colunista convidado. Presidente da Iniciativa Liberal
Eco, 3 de Fevereiro de 2019

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