A urgência não deve levar a uma descentralização apressada, desligada da realidade política e administrativa do país, e que leve à multiplicação de entidades públicas com as mesmas funções.
1. Avareza – Descentralizar apenas tarefas sem acesso aos meios e respectiva gestão. Isto é exactamente o que está a ser feito actualmente e que levou grande parte das câmaras municipais a recusar as novas competências. Alguém mais maquiavélico diria que esta foi uma estratégia delineada por centralistas para passar a ideia de que a descentralização não é desejada. É evidente que os municípios iriam rejeitar competências acrescidas sem os respectivos meios. Mas mesmo que recebessem os meios, a mera transferência seria um erro se não lhes fosse atribuída também a responsabilidade pela gestão desses meios. Só pode existir descentralização com responsabilização. Se os municípios forem apenas gestores de despesa pública sem qualquer intervenção na forma como a receita é gerada, só terão incentivos ao desperdício. É dos livros: quem só gere despesa tem todos os incentivos a aumentá-la e nenhum a diminuí-la. Mesmo muitos dos problemas de corrupção ao nível local seriam aliviados se os custos dessa corrupção saíssem exclusivamente dos bolsos dos contribuintes locais em vez do orçamento de estado, como acontece hoje.
2. Luxúria – Criar uma camada adicional de burocracia e despesa pública. É o maior receio de todos com a descentralização e o mais justificado: que ela não resulte de uma transferência de poderes do estado central para o poder local, mas numa multiplicação desses poderes e burocracia. Para evitar isto, é necessário que o estado central tenha um plano claro dos cortes que irá fazer na sua estrutura ao passar responsabilidades para o poder local. Por exemplo, tem que ficar claro que cortes serão feitos na estrutura central do Ministério da Educação quando as competências de gestão do sector passarem para o poder local, como acontece em grande parte dos países desenvolvidos. Isso não foi delineado em nenhum dos planos já apresentado, mas é fundamental que aconteça, não só para que a descentralização resulte, como para convencer aqueles que desconfiam (com muita razão) das intenções políticas da descentralização.
3. Ira – Apostar numa revolução. Querer mudar tudo de uma vez, descentralizando todos os poderes que não deveriam estar no estado central (e são muitos), levaria a um caos de gestão administrativa. Para além disso, a rigidez constitucional do emprego na função pública torna difícil a transferência de recursos imediata do estado central para o poder local. Uma transferência de competências feita à pressa, levaria à duplicação de estruturas que dificilmente seria eliminada no futuro. Eventualmente, as estruturas centrais redundantes iriam tentar justificar o seu tamanho e criar toda uma nova série de burocracias. Acabaríamos assim com ainda mais burocracia e pior gestão. A descentralização deve ser gradual, dando ao poder local o tempo de adaptação necessário, permitindo-lhes adquirir as competências técnicas para os novos poderes. O gradualismo permitiria também ao estado central o tempo para se libertar dos recursos a mais que se tornariam redundantes com a descentralização.
4, Inveja – Imprevisibilidade. Tendo que ser gradual, deve ser previsível. Deve haver um calendário claro, com prazo definido, de competências a descentralizar, permitindo ao estado central planear os recursos a dispensar e ao poder local as competências a adquirir. O estado central deve estar preparado para as competências que irá perder e o poder local para as que irá adquirir sem que haja permanentes disputas de poder.
5. Gula – Avançar de imediato para uma regionalização. Por respeito pela democracia, uma solução chumbada em referendo, só pode ser aprovada em referendo. E não é de todo certo que a regionalização nos moldes de 1998 fosse aprovada num novo referendo ou sequer que seja a solução mais apropriada. Actualmente, os únicos órgãos de poder local com legitimidade política são as câmaras municipais (e as juntas de freguesia). A constituição de regiões deve ser feita de baixo para cima, com uniões voluntárias entre municípios de acordo com critérios de eficiência de gestão das competências atribuídas e não baseado em linhas aleatórias criadas por burocratas na capital.
6. Soberba – Achar que a descentralização vai resolver todos os problemas de funcionamento do estado. Não vai. Longe disso. A descentralização aumentará a representatividade política das comunidades locais e aproximará o poder do indivíduo. Mas os defensores, como eu, da descentralização não devem esquecer que a descentralização mais importante e necessária de todas é do estado central para os indivíduos, ou seja, a redução do poder do estado.
7. Preguiça – Nomeadamente, preguiça intelectual. Achar que estes riscos e limitações justificam uma atitude passiva perante o problema do centralismo, mantendo tudo na mesma num dos países mais centralistas e corruptos da União Europeia. Os centralistas tentarão demonstrar que sim. Aqueles que não o são, não se devem deixar vencer pela preguiça intelectual de se conformarem à situação actual.
Portugal precisa urgentemente de descentralizar. Mas esta urgência não deve levar a uma descentralização apressada, desligada da realidade política e administrativa do país, e que leve à multiplicação de entidades públicas com as mesmas funções. Precisamos de uma descentralização de funções, meios e poderes gradual, previsível e à qual corresponda uma diminuição equivalente (preferencialmente, maior) do estado central. Sem que estas condições se cumpram, muitos portugueses continuarão a ter dúvidas legítimas sobre os verdadeiros objectivos da descentralização. E o centralismo, mais uma vez, vencerá.
Carlos Guimarães Pinto, Presidente do partido Iniciativa Liberal
Observador, 8 de Fevereiro de 2019