Opinião – Filipa Osório – Da recuperação da esperança

A característica mais saliente na relação de grande parte dos portugueses com a política do país é a falta de esperança. A maior parte dos cidadãos não acredita no sistema político. A perceção geral é a de que a sociedade está entregue a um sistema viciado, mergulhado em interesses e compadrios, não havendo possibilidade de resgatá-lo. Cria-se, então, um sentido de impotência relativamente ao Estado, visto como um grupo inquebrável e inatingível.

O resultado desta experiência é, exactamente, o abandono total da esperança, traduzido na notória taxa de abstenção nas eleições do país. Mas como acontece isto, especificamente?

De modo a conseguirmos entender este fenómeno, devemos primeiro definir o conceito de ‘agência’. Sem querer mergulhar nas existentes discussões académicas sobre este conceito, vamos utilizar uma definição relativamente básica. Agência é algo que se tem e tem agência aquele que tem capacidade de livre ação – e, assim, transformação – na sociedade.

Aquilo que melhor descreve o cidadão português comum é a debilitação do seu sentido de agência, seja ela económica ou política. Debilitação da sua agência económica pois a sua liberdade para se constituir como um agente económico sofre penalizações constantes. O grande agente económico em Portugal, têm-nos dito, deve ser o Estado.

É importante, também, sublinhar a crença na falta de agência política. Isto implica o abandono do poder transformativo, achando o cidadão que as suas acções não têm consequências nem resultados.

Vamos ser um pouco mais claros.

Se tivermos de estabelecer a quem pertence a sociedade, parece-me óbvio dizer que pertence ao cidadão e não ao Estado. O Estado é um órgão contratado pelos cidadãos através do voto e financiado pelos mesmos. Assim, deve ser soberana a sua livre iniciativa – normalmente denominada iniciativa privada.

Existe iniciativa privada quando qualquer indivíduo tem a liberdade de criar algo para a sociedade – seja um produto ou um serviço – e criar rendimento para si próprio. Quando há iniciativa privada, o cidadão é livre para constituir a sua individualidade económica. Contudo, em Portugal, esta liberdade é constantemente penalizada pelos entraves constantes do Estado. Burocracia, taxas e impostos. É, exatamente, diminuída a agência do indivíduo.

Assim se começa a perder o sentimento de que o indivíduo é um agente na sociedade. O indivíduo nada faz enquanto o Estado faz tudo. A dormência do cidadão leva a uma maior apropriação da sociedade por parte do Estado e, paradoxalmente, a um menor sentido de responsabilidade por parte do mesmo, por poder tomar o seu lugar como garantido. Consequentemente, dá-se um aumento da actividade corrupta – e, logicamente, a diminuição das consequências judiciais.

Começa-se a consolidar o sentimento de impotência relativamente ao Estado. Sobretudo, a impotência relativamente a uma classe política que alarga e perpetua este poder. Assim, nasce a crença de que o cidadão não tem poder político, o poder de reformar a sua sociedade e, consequentemente, a falta de esperança.

Qual o direito do Estado de se impor de tal maneira quando a sociedade não lhe pertence?

Para contrariar este sistema, é necessário desconstruir o poder central. É necessário liberalizar e tornar o indivíduo soberano. Incentivar a agência económica dos cidadãos, para que estes possam cooperar e produzir. A cooperação e entreajuda são, na verdade, conceitos do Liberalismo. Os cidadãos cooperam entre si, através de trocas recíprocas de bens, serviços e capital, e, assim, contribuem para o desenvolvimento da sociedade. O Estado não deve dificultar este desenvolvimento.

O indivíduo deve ser, também, um agente político, um agente transformador na sociedade. Sem iniciativa, não existe regeneração. Vários debates têm contado com reflexões sobre como combater a abstenção eleitoral, querendo mostrar ao eleitorado que a sua participação é relevante. Sim, a participação nas eleições é importante. Mas o único factor que efectivamente pode combater a abstenção é a qualidade política. Assim, é importante mostrar ao eleitorado não o prolongamento do sistema, mas sim as existentes alternativas.

A alternativa mais saliente ao sistema que temos visto em Portugal é o Liberalismo. Quiseram dar poder à população, mas deram o poder ao Estado e reduzimos a liberdade do cidadão. Alargaram o Estado e reduziram o seu sentido de responsabilidade. Quiseram uma democracia saudável e criaram falta de esperança.

Mas é possível fazer diferente. Dar mais poder ao cidadão e criar uma democracia mais participativa e com melhor representatividade. Por onde começar? Escolha a regeneração no boletim de voto.

Membro do Iniciativa Liberal

O OBSERVADOR, 19 de Maio de 2019

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