Opinião – Ricardo Arroja – Debates só entre incumbentes são antidemocráticos

Numa altura em que a comunicação política entre os partidos e os eleitores é cada vez mais directa, há um diálogo a ter entre os partidos e os media.

Agora que já passaram alguns meses após as eleições europeias, nas quais concorri como candidato independente pelo partido Iniciativa Liberal, sinto que é o momento de partilhar a minha reflexão, e alguma da minha própria experiência, sobre a forma como as campanhas políticas são alvo da cobertura mediática e condicionadas pelos hábitos e poderes instituídos.

Trata-se de uma reflexão que vincula exclusivamente o autor destas linhas e através da qual pretendo contribuir para uma mudança que, a meu ver, urge na relação entre os media e a política, a fim de reaproximar as pessoas da política e os políticos dos cidadãos. É facto que em Portugal grande parte do eleitorado ainda está agarrado à forma tradicional de fazer política, mas as coisas estão a mudar em todo o mundo e também aqui a mudança acabará por chegar.

Antes de mais, e após o silêncio destes últimos meses, quero afirmar que a minha participação nas europeias deste ano foi uma das experiências mais gratificantes que tive na vida. Foi uma experiência extraordinária, quer pela oportunidade de ter podido defender ideias pelas quais há anos me batia na opinião pública, quer pela vivência que tive com pessoas que genuinamente se envolveram na promoção das ideias liberais, sacrificando desinteressadamente o seu tempo em prol de um partido que não tem tachos para oferecer.

Ainda que a minha participação na política tenha sido pontual e que eu esteja de regresso à minha vida privada, não esquecerei a experiência nem as manifestações espontâneas de miúdos e graúdos, anónimos e conhecidos, que muito me honraram e a quem tentei retribuir da melhor forma possível.

Quanto à cobertura mediática da campanha, é importante distinguir a pré-campanha da campanha oficial. Eu apreciei especialmente a pré-campanha. Foi o período durante o qual estudei as posições que haveria de defender, sobre as quais escrevi nos jornais e dei entrevistas de fundo à comunicação social. Foi também o período durante o qual marquei presença nas mais interessantes iniciativas que vivi junto dos eleitores. Recordo-me, em particular, de um excelente evento em Lisboa, o “Festival Política” no Cinema São Jorge, que foi uma espécie de “speed-dating” com cidadãos anónimos em que fui questionado, sem filtros, sobre as mais variadas temáticas. Foi o evento mais desafiante e estimulante que experimentei em toda a campanha, mas que os media não cobriram.

A falta de cobertura mediática de eventos fora da caixa foi algo que me surpreendeu. Mas a maior limitação foi a falta de debate entre os candidatos dos partidos já estabelecidos e aqueles que representavam os partidos fora do sistema. Do ponto de vista dos partidos incumbentes, compreende-se o desinteresse, porque, de facto, pouco teriam a ganhar ao darem palco às novas forças políticas. Por exemplo, quando Paulo Rangel fez queixinhas de Pedro Marques porque este não queria debater com ele, eu próprio tomei a iniciativa de desafiar Rangel para o debate – repto ao qual Rangel nunca reagiu. Fez-se de morto. Pelo contrário, eu aceitei todos os debates para os quais me convidaram e mais teria aceitado se outros tivessem surgido. Eu não estava em condições de recusar debates. Fui sempre a jogo. Não podia ser de outra forma.

Ao estabelecerem debates de primeira e segunda divisão, os media, em vez de abrirem o debate político-partidário, fecham-no. O mesmo sucede com a cobertura dos eventos político-partidários. Se o partido tem expressão eleitoral tem mais cobertura mediática, reforçando a sua expressão eleitoral – é uma pescadinha de rabo na boca. Foi o caso da digressão que António Costa decidiu fazer há dias na EN2, sem que se tivesse percebido a relevância do que lá andou a fazer. Parece que foi para “ganhar inspiração” – disse o próprio. Contrariamente, se o partido não tem expressão eleitoral, a cobertura mediática tende a ser esporádica, reservadas aos eventos públicos, ou em reacção a casos pontuais que ganham polémica, como a remoção abusiva de cartazes ou as listas eleitorais com senhoras a mais.

Mais ainda, e aqui reside a minha crítica maior, ao fomentarem a discriminação entre partidos, os media contribuem para perpetuar as condições de alienação dos partidos mais pequenos, desincentivando o aparecimento de bons candidatos nos movimentos emergentes. Por outras palavras, se tivesse havido um debate entre o Paulo Rangel e o Ricardo Arroja, e o primeiro tivesse dado um banho ao segundo, a Iniciativa Liberal teria certamente mais cuidado da próxima vez que escolhesse um candidato para a representar.

Existissem essas oportunidades e o incentivo proporcionado àqueles que concorriam pelos partidos mais pequenos, no sentido de se prepararem de forma adequada para a campanha e de valorizarem o debate político, seria maior. Beneficiaria a democracia em resultado de um nível geral mais elevado dos candidatos.

A liberdade de escolha assiste o critério editorial de cada um. Nada tenho contra isso – bem pelo contrário, ou não fosse a liberdade de escolha o eixo fundamental das ideias liberais. Todavia, entre aquilo que se faz e o que poderia ser feito vai uma grande distância. As entrevistas individuais – e eu dei várias, não me posso queixar – são importantes para colocar as ideias na esfera pública. Os textos de opinião também, porque a mensagem escrita é mais precisa do que a oralidade e é controlada pelo próprio. Mas numa corrida eleitoral, sendo o confronto de ideias a parte fundamental da corrida, os debates a dois, ao vivo e a cores, são a melhor forma de permitir ao cidadão comum a aferição global do candidato e o contraste (ou a falta dele) entre as propostas dos partidos.

Porém, quando até o Bloco de Esquerda se assume no essencial como partido social-democrata, como ficámos a saber esta semana, pela voz da sua coordenadora, está tudo dito. Falta contraste e, certamente, falta contraditório. Eu compreendo que Catarina Martins queira posicionar-se no lugar de Rui Rio. Ambos concorrem para muleta de António Costa e Rio, se pudesse, talvez não descartasse a possibilidade de vir a ser o parceiro júnior de Costa, porque o PSD, sendo ainda um partido grande, não pode ficar tanto tempo longe dos altos cargos do Estado. Mas que um partido como o Bloco queira passar a imagem de moderação, face ao que defende nos seus manifestos eleitorais, parece-me chocante. Por isso, um debate entre o Carlos Guimarães Pinto da Iniciativa Liberal e Catarina Martins (ou Rui Rio), contrapondo duas visões claramente diferentes da vida em sociedade, vinha mesmo a calhar.

Por entre a aversão ao risco com que os media tratam os partidos mais pequenos, o Presidente da República poderia ser uma influência positiva, sensibilizando a opinião pública (e os media) em relação à inclusão dos novos movimentos no debate político. Afinal, a partir do momento em que os partidos são validados pelo Tribunal Constitucional, nenhum partido deveria ser discriminado pelos poderes instituídos, designadamente pela Presidência da República. Mas enquanto os partidos incumbentes são recebidos oficialmente pelo Presidente, com pompa e circunstância, os pequenos tendem a ser ignorados. Falo por experiência própria. A audiência que, no início de Março, solicitei a Marcelo, na qualidade de cabeça de lista às europeias, nunca aconteceu. Não terá sido oportuno.

A atenção mediática em período eleitoral é arduamente disputada e não é fácil ter um critério que agrade a todos. Porém, há que arriscar para além do instituído. No caso dos debates a dois, existindo condições para soluções cooperantes, uma alternativa seria fazer como nos campeonatos mundiais de futebol: sortear os debates entre os interessados e distribuí-los entre os vários canais que estivessem disponíveis para os acolher.

Outra alternativa, na ausência de cooperação entre os media, seria procurar alguém interessado em promover e patrocinar debates improváveis. Regressando às europeias, foi isso que fez o comentador Daniel Oliveira – que a priori me parecia um moderador improvável – junto dos candidatos do Aliança, Iniciativa Liberal, Livre e PAN. Arriscou o debate, não a dois, mas a quatro, e correu muito bem.

Ao longo dos anos habituei-me a ouvir que os partidos não inovariam e que os media seriam meras correias de transmissão dos “soundbytes” ocasionais. Mas, hoje, tendo tido a experiência de campo, creio que a crítica não será totalmente justa. Por exemplo, quando, em campanha oficial, desafiei os media a acompanharem-me a um centro de inovação em robótica no Politécnico de Barcelos ninguém apareceu; curiosamente, nesse mesmo dia, os media até estavam todos em Barcelos, mas estavam na feira semanal a acompanhar a caravana do CDS.

Dias antes, já vacinado por outras experiências do género, também eu tinha ido à feira de Braga, quebrando um limite que inicialmente me tinha autoimposto, mas em relação ao qual acabei por ceder, porque as televisões não perdem uma feira em tempo de campanha e um partido que vai a eleições pela primeira vez precisa de aparecer nos noticiários da noite.

Enfim, numa altura em que a comunicação política entre os partidos e os eleitores é cada vez mais directa, em resultado da tecnologia e do cansaço na forma tradicional de fazer política, há um diálogo a ter entre os partidos e os media. Uns e outros deveriam estar interessados em obter um melhor equilíbrio entre a qualidade das iniciativas partidárias e o impacto mediático das mesmas. Ao mesmo tempo, também o Presidente da República deveria exercer a sua magistratura de influência, em prol da pluralidade democrática. Mas, com maior ou menor cooperação institucional, cabe aos novos partidos mobilizarem-se com criatividade e irreverência, com ideias e pessoas novas que arrisquem e que procurem fazer a diferença pela positiva. Foi isso que sucedeu comigo e será essa a base do sucesso da Iniciativa Liberal.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

ECO, 4 de Setembro de 2019

 
 
 
 
 
 
 
 
 

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