Por mais cataplanas que o primeiro-ministro nos sirva na TV, e por mais explicações que o ministro das Finanças procure entreter, foram eles que decidiram aquela venda do Novo Banco. Agora aguentem.
Quando, em Agosto de 2014, o BES foi intervencionado, o banco bom (NB) recebeu 4,9 mil milhões de euros de capital do Fundo de Resolução. Um ano depois, no final de 2015, numa decisão que o Banco de Portugal irá lamentar por muitos e longos anos, foi decidida a retransmissão pelo NB de dois mil milhões de euros de passivos ao BES em liquidação (banco mau). Pelo caminho, entre 2014 e 2017, o banco bom (NB) registou prejuízos acumulados de 3,7 mil milhões de euros.
Deste modo, entre a resolução de 2014 e a venda ao Lone Star em 2017, o Novo Banco queimou mais de metade dos 6,9 mil milhões de euros que, entre a injecção de capital e a retransmissão de passivo (na prática, um aumento de capital implícito), o Fundo de Resolução lhe proporcionou.
Feito o enquadramento global da resolução, recordemos agora a venda do NB – um processo ao qual dediquei quatro artigos no ECO, o último dos quais a 11 de Abril do ano passado em “NB: ainda a pagar a resolução”. E volto à pergunta que então coloquei: “Como é que o conjunto pré-identificado de activos não produtivos do NB passou de uma avaliação de 7,9 mil milhões de euros (pré-venda) para 5,4 mil milhões em Dezembro passado?” Agora, um ano depois, a pergunta essencial volta a ser a mesma, apenas com uma pequena (grande) alteração: Como é que o conjunto pré-identificado de activos não produtivos do NB passou de uma avaliação de 7,9 mil milhões de euros (pré-venda) para 4,0 mil milhões em Dezembro de 2018?!
Dois anos depois da venda do NB ao Lone Star, o conjunto de activos problemáticos, perfeitamente delimitado pelo vendedor e pelo comprador em 2017, vale hoje metade do valor contabilístico pelo qual foi avaliado no processo de venda. Trata-se de uma perda que, em condições normais, seria inexplicável. Afinal, à data da venda em 2017, aquele mesmo conjunto de activos deveria já reflectir uma reavaliação dos activos deduzida de imparidades reconhecidas desde a resolução de 2014. Infelizmente, a existência da garantia contingente de 3,9 mil milhões de euros, que acompanhou a venda ao Lone Star, anunciava o pior.
O anúncio de que o NB vai solicitar 1.149 milhões de euros ao Fundo de Resolução este ano, em cima dos 792 milhões de euros que solicitou no ano passado, é a concretização do pior. Para além do que revela sobre o processo de venda, representa também um problema imediato para o ministro Centeno porque o OE2019 apenas prevê a disponibilização de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução.
Assim, dado que as receitas próprias do Fundo de Resolução não deverão ultrapassar os 250 milhões de euros, o montante solicitado poderá levar à necessidade de um orçamento rectificativo. Politicamente, isto seria uma catástrofe para Centeno. Mas é uma catástrofe política que começa a ganhar verosimilhança, até porque a economia há meses que está a abrandar e o ministro precisa da economia para equilibrar o orçamento.
A auditoria pedida por Centeno, para além de redundante – porque já existe no seio do Fundo de Resolução uma comissão de acompanhamento do mecanismo de capital contingente –, não passa de uma manobra dilatória, visando a sobrevivência política do próprio ministro. Não há como escondê-lo: a venda do NB foi uma decisão assumida por este Governo, por Costa e por Centeno. Que ambos estejam a tentar escapar por entre os pingos da chuva não surpreende; em circunstâncias idênticas tem sido sempre esse o “modus operandi” do Governo. Mas, por mais cataplanas que o primeiro-ministro nos sirva na TV, e por mais explicações que o ministro das finanças procure entreter, foram eles que decidiram aquela venda do NB. Agora aguentem.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
Ricardo Arroja
ECO, 6 de Março de 2019