Opinião – Rodrigo Saraiva – Liberdades conquistadas nunca estão garantidas

Que não seja um justo combate por liberdades, como o #SaveYourInternet, a servir de alento àqueles que nos últimos anos têm tentado condicionar os meios de comunicação e destruir o projecto europeu.

Depois de meses de debate em torno da nova directiva europeia sobre os direitos de autor e com o processo já em fase avançada, os artigos 11 e 13, sobretudo este, ganharam enorme visibilidade e notoriedade no debate público e mediático. O processo não está ainda terminado. Dizem que esta será a semana chave e do que se vê a acontecer em Bruxelas, tudo pode acontecer.

Sou dos que considera um erro a proposta de articulado que pretende obrigar a imposição de filtros automáticos à priori nas plataformas digitais e acompanho muito do que foi dito, nos vídeos de youtubers e em conversas com crianças e jovens. Mas para além do debate específico em torno desta directiva fica a sensação de terem sido semeados perigosos receios, mesmo que inconscientemente.

Na onda da defesa da internet livre e da liberdade de expressão, foram deixadas sementes para antagonismos contra a Imprensa e a Europa. No meio do acalorado debate por liberdades, acabaram por atacar outras liberdades.

Se a internet é hoje um símbolo da liberdade, naturalmente imperfeita e que deve ser protegida de quem não tem responsabilidade, a Europa, nomeadamente a União Europeia, é igualmente um símbolo de liberdade e paz, igualmente imperfeita e que também deve ser protegida de quem não tem responsabilidade.

Sou de uma geração que cresceu sem internet e sem a livre circulação de pessoas, bens, serviços e oportunidades na Europa. Valorizo muito o que a internet e a Europa nos trouxeram e proporcionam diariamente. O combate tem de estar focado em quem tenta deturpar os princípios, quer da internet, como do projecto europeu.

Sou também da geração que não tinha uma imprensa em mercado livre. E no meio deste debate da directiva dos direitos de autor também se acicataram ódios à imprensa no seu todo. Sendo verdade que há muito para fazer para que esta se adapte de forma mais eficaz aos desafios da internet, a mesma liberdade e responsabilidade que se defendem para uma internet livre deve igualmente aplicar-se aos órgãos de informação.

A comunicação social é um alicerce das democracias liberais. Por alguma razão é designada Quarto Poder. Como qualquer poder deve ser escrutinada, mas sem que seja posta em causa a sua existência. E a imprensa também deve conviver bem com o escrutínio, não clamando “populismo” a qualquer crítica.

Aqui no continente onde nos inserimos, até mesmo dentro da União Europeia, não são de agora os ataques à Europa e ao jornalismo. Que não seja um justo combate por liberdades, como o #SaveYourInternet, a servir de alento àqueles que nos últimos anos têm tentado condicionar os meios de comunicação e destruir o projecto europeu.

Quem viveu tempos com menor circulação de ideias mais facilmente consegue comparar e valorizar o que temos hoje. É aqui que o diálogo intergeracional ganha relevância. Tal como a geração dos meus pais nos alertou para o que era viver sem democracia, cabe-nos transmitir aos mais novos o que era viver num mundo sem internet e numa Europa cheia de muros e fronteiras.

Foi também por isto que me associei à campanha promovida pela Associação D3 — Defesa dos Direitos Digitais e ThumbMedia. É também por isto que nestes últimos anos tenho dedicado à minha participação cívica no partido Iniciativa Liberal.

Nunca podemos dar por garantidas as liberdades conquistadas. E vivemos tempos em que muitos as querem destruir.

Fundador e membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal

OBSERVADOR, 13 de Fevereiro de 2019

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