Opinião – Rodrigo Saraiva – Perfil de um governo que nada sabe

Seria um absurdo uma interpretação literal deste texto como se fosse um artigo de opinião. Ele apenas recorda factos. Lista acontecimentos. Relaciona comportamentos. As conclusões ficam para o leitor.

Falhas no combate a incêndios? O Governo nada sabia.

Falhas nos apoios a quem perdeu todos os seus haveres nos fogos? O Governo nada sabia.

Encobrimento de Tancos? O Governo ignorava.

Operação stop do fisco? O Governo desconhecia.

Estradas em risco e derrocadas com vítimas mortais? O Governo nada sabia.

Jantar da websummit no Panteão Nacional? O Governo não sabia.

Auditoria à CGD? O Governo nunca tinha ouvido falar.

Prémios muito polémicos na TAP? O Governo foi o último a saber.

Acções prepotentes de fiscalização da Autoridade Tributária em casamentos e festivais? O Governo só ficou a saber pelos telejornais.

Um Secretário de Estado nomeia um primo para adjunto no seu gabinete? O Governo não sabia.

Um ministro acumula estas funções com a gerência de empresas? O Governo não sabia.

Três governantes viajam à final do campeonato europeu de futebol a convite de uma empresa em litígio com o Estado? Eles não sabiam que não convinha proceder assim.

Obras de arte? “Não estão desaparecidas, estão por localizar”. Tradução deste eufemismo: não sabem.

O Governo decidiu não contabilizar a contagem integral do tempo de serviço dos professores depois de o PS ter votado na Assembleia da República uma recomendação ao Governo para a «contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória»? Claro que Governo não sabia. Ou, se soubesse, já não se recordava. Ninguém pode exigir-lhe que se lembre de tudo.

Organismos do Estado não apresentam planos e relatórios de actividades? O Governo nada sabe.

“Golas inflamáveis”? O Governo não sabia, a culpa só pode ser da Protecção Civil (tutelada pelo Governo). Ah, afinal nem ardem. As capas dos microfones é que são inflamáveis. A culpa, se calhar, é dos jornalistas.

As tais golas foram produzidas por uma empresa criada há 18 meses e pertencente ao marido de uma autarca do PS. O Governo, obviamente, desconhecia tudo isto.

Voltaram os incêndios, já com mais de 23 mil hectares ardidos, depois de o Governo ter garantido que este seria um dos anos com menos fogos. A culpa é dos autarcas, que não prepararam as coisas. Como é que o Governo havia de saber?

Mais de metade da área ardida (54%) é de povoamento florestal. Como é que o Governo, ocupado a fazer “a maior reforma da floresta desde D. Dinis”, podia adivinhar?

Afinal há mais empresas de familiares de membros do Governo – incluindo três ministros – que mantêm ligações comerciais com o Governo. Obviamente, o Governo desconhecia. Só sabia que “seria um absurdo uma interpretação literal da lei”. Faltando especificar se todas as outras leis vigentes no País devem permanecer igualmente ao abrigo de “interpretações literais”.

Uma deputada menciona uma residência falsa para receber subsídio de deslocação? Claro que o primeiro-ministro António Costa não podia saber disto. Mas o secretário-geral do PS, António Costa, sabia. E reconduziu a deputada como cabeça de lista às próximas legislativas.

Nota do autor: seria um absurdo uma interpretação literal deste texto como se fosse um artigo de opinião.

Fundador e membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal

OBSERVADOR, 3 de Agosto de 2019

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