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Criação de Centros de Alojamento de Longa Duração (CALD)

OBJETIVOS

Adaptação e adequação das respostas de alojamento para as Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (PSSA).

  • Criação de fluidez entre as diferentes linhas/níveis de intervenção, garantindo que os CAT disponibilizam regularmente vagas e consigam responder, no imediato, às pessoas em situação de sem-teto.
  • Garantir um acompanhamento adequado dos casos mais crónicos por equipas multidisciplinares, nomeadamente situações de doença prolongada e crónica
  • Assegurar relação custo/qualidade: se não forem cuidados nestes equipamentos sociais serão cuidados em meio hospitalar, com custos muito superiores para o erário público.

PROPOSTA

Criar, em parceria com as Autarquias Locais, Centros de Alojamento de Longa Duração (CALD), uma resposta de 3ª linha, em rede de parceiros públicos, sociais ou privados, sob tutela das autarquias ou da Segurança Social, onde seja possível acompanhar PSSA com intervenções multidisciplinares de longa duração, e com necessidades multicomplexas.

Estes equipamentos não têm como desiderato a reintegração socioprofissional, mas sim a disponibilização de cuidados biopsicossociais às PSSA que, por motivos de doença grave prolongada ou crónica, necessitem de cuidados especializados. Esta proposta responde a uma lacuna identificada no sistema de alojamento das PSSA com necessidades de saúde multicomplexas.

RACIONAL

Esta proposta tem como pressuposto a criação de uma política de apoio a PSSA com respostas diversificadas. Propostas que olhem para as necessidades reais das PSSA e que criem as condições para que possam viver condignamente, independentemente das suas limitações biopsicossociais.

Englobado nessa política reforça-se a continuidade de implementação de respostas como os Centros de Alojamento de Emergência (CAE), Centros de Alojamento Temporário (CAT), Apartamentos Partilhados ou de Intervenção como Housing First. A Housing First tem como objetivo integrar as PSSA em habitações acompanhadas por técnicos que as ensinam a gerir uma casa, tendo em vista a sua integração social, em particular aqueles com adições e/ou doença mental). Esta integração é complementada com um modelo de Centros de Alojamento Longa Duração (CALD) para aqueles que irão requerer uma intervenção técnica mais prolongada, tendo em conta a sua situação face de saúde.

Segundo o último relatório da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), datado de 2020, existem 8.209 PSSA identificadas e, destas, cerca de 3.420 encontram-se na situação de sem-teto (PSSA que não estão integradas nas respostas existentes, estando a viver e a dormir na rua, em casas abandonadas ou similares).

As cidades de Lisboa e Porto são responsáveis por 73% da representatividade da população em situação de sem-abrigo.

Ao analisar os dados de caracterização da ENIPSSA verifica-se que cerca de metade das PSSA é também consumidora de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas.

Tal como a população geral, a população de PSSA está a envelhecer e, neste envelhecimento, refletem-se os anos de exclusão da sociedade e de vida à margem desta, sem se estar integrado na rede de proteção social e de cuidados de saúde. Esta situação traduz-se num envelhecimento precoce em que a necessidade e o nível de cuidados são cada vez maiores e onde a rede social primária não existe, transferindo-se a assistência para o nível da rede de cuidados instalada.

Nas repostas disponibilizadas ao nível do alojamento de PSSA verifica-se, apesar de alguns avanços ocorridos com o projeto de Housing First (HF), que a maioria das vagas disponíveis se encontram nos CAT, respostas de 2ª linha que recebem pessoas em situação de sem-teto e que, na sua génese, são respostas de curta duração. É, aliás, exigido aos CAT que ofereçam, principalmente, respostas de curta duração, pois só assim lhes será possível disponibilizar vagas continuadamente e contribuam para o cumprimento de um dos pilares da ENIPSSA – “que ninguém tenha que ficar na rua por mais de 48 horas” – e da própria União Europeia que, no âmbito da presidência portuguesa reunida em Lisboa a 21 de Julho de 2021, definiu que “we agree to launch together the European Platform on Combatting Homelessness and to work towards the ending of homelessness by 2030”, de onde se infere uma clara aposta em programas e fundos em torno deste objetivo.

Ora, deste modo, verifica-se um estrangulamento nas repostas a jusante dos CAT, em particular nos CAE, o que, consequentemente, leva a que as pessoas se mantenham na situação de sem-teto em que se encontram.

Para além da implementação a nível nacional de CAE, CAT, de Comunidades de Inserção com Alojamento, de HF e de Apartamentos Partilhados é importante pensar em respostas de alojamento apoiado que sirvam as reais necessidades de cada cidadão. É também indispensável que estas sejam diversificadas, profundamente humanizadas e que não sejam vistas apenas como mais uma resposta institucional. As respostas identificadas apresentam um caracter transitório e visam sempre a reintegração social, o que nem sempre é exequível, atendendo às características da PSSA.

Os CAT e os CAE são equipamentos que, pela sua natureza, assentam a sua capacidade de resposta na integração social, não sendo equipamentos adequados para a intervenção em casos em que existam condições crónicas relevantes e que a reintegração socioprofissional não seja possível. Estas situações, fruto do envelhecimento precoce, do estilo de vida, e dos comportamentos de risco existentes impõe a necessidade da existência de respostas de alojamento claramente, vocacionadas para a prestação de cuidados de saúde. Pela sua inexistência, são os CAT que muitas vezes se deparam com a necessidade de cuidar PSSA com patologia orgânica relevante, sem disporem dos meios e nem dos recursos humanos adequados.

QUANTIFICAÇÃO

Os dados mais recentes dizem que existem 8.209 PSSA, das quais, 4.789 estão em situação de sem-casa e 3.420 estão em situação de sem-teto. No entanto, tem de se partir sempre de uma premissa: todos os dados disponibilizados, à data de hoje, estão subdimensionados, naturalmente, pelas características do próprio fenómeno.

Ao analisar estes dados quantitativos percebe-se que existem 3.420 pessoas a viver na via pública, numa casa abandonada, num carro ou em qualquer outra situação indigna, e para as quais não há uma solução imediata, por não existirem vagas disponíveis suficientes nas respostas de 1ª e 2ª linha.

Esta população, pelas suas características, recorre frequentemente à urgência hospitalar, situação que, muitas vezes, resulta em internamentos mais longos do que os necessários – internamentos sociais.

Estas camas hospitalares, ocupadas por este tipo de internamentos, representam um elevado custo, humano, económico e financeiro. Ao analisar o seu custo verifica-se que, a mais barata, custa cerca de €200/dia – um episódio de urgência custa, no mínimo, €120.

Uma vaga num CAT custa, em termos médios, €500/mês.

  • De qualquer forma, para além da quantificação económica e financeira, o mais importante será sempre a vertente menos tangível: O bem-estar e a saúde física e mental da pessoa em situação de sem-abrigo que deixa de viver na via pública.
  • Este bem-estar só é alcançável se as respostas sociais e as atividades desenvolvidas forem adequadas e direcionadas às necessidades individuais dos beneficiários.

QUESTÕES FREQUENTES

O Housing First não é um modelo melhor do que os Apartamentos Partilhados?

Ambos servem o beneficiário, mas cada um deles destina-se a pessoas com características e necessidades de apoio diferentes. No caso dos Centros de Acolhimento de Longa Duração, aqui propostos, destinam-se às pessoas com necessidades de apoio intensas e cuja intervenção seja mais demorada que nas respostas de 2ª linha, como as referidas.

Pode-se considerar que “muitos sem-abrigo só estão na rua porque querem” pelo que não se deve fazer nada?

Uma pessoa em situação de sem-abrigo encontra-se desestruturada em múltiplos níveis. Mesmo tendo casa e uma família não está em condições de a suportar ou de se relacionar com outras pessoas de uma forma saudável e equilibrada que proporcione uma coabitação harmoniosa de longo prazo. Esta proposta responde a esse contexto.

Que valências tem um CALD para melhorar a vida dos seus utentes?

Os Centros de Alojamento de Longa Duração facultam o acompanhamento das PSSA num ambiente próprio e de acordo com o ritmo das pessoas em causa. Esse acompanhamento será efetuado por equipas multidisciplinares de apoio médico, psicológico, psiquiátrico e de enfermagem que lhes disponibilizam condições de apoio na doença prolongada e crónica.

Durante quanto tempo fica uma pessoa num destes CALD?

Os Centros de Alojamento de Longa Duração devem ser capazes de suportar o acolhimento das PSSA por períodos superiores a 1 ano. Dito de outra forma, as PSSA podem ficar nestes Centros até que sejam reinseridas na sociedade ou encaminhadas para instituições permanentes.

BENCHMARKS / EXEMPLOS

O modelo finlandês e o modelo canadiano são dois bons exemplos de boas práticas. A Finlândia é o país europeu que melhor conseguiu mitigar o problema das PSSA, criando uma rede de oferta habitacional diversificada de forma a poder dar resposta a todos. Promoveu, de forma muito significativa, a acessibilidade a medidas de habitação, apartamentos partilhados e Housing First. Promoveu também medidas de alojamento, com diferentes perfis, para pessoas com maior necessidade de suporte. De acordo com os dados da FEANTSA (European Federation of National Organisations Working with the Homeless), a Finlândia é o único país europeu que diminuiu o número de PSSA.

O Canadá adotou um conjunto de políticas muito similares, assumindo que a primeira necessidade das PSSA é a habitação ou o acesso a um alojamento adequado às suas necessidades. Tal como a Finlândia, o Canadá reforçou as medidas de Housing First e de apartamentos partilhados. Diversificou ainda o perfil dos Centros de Alojamento Temporário para que estes se adequem melhor às necessidades da população.

Ambos os países adotaram uma visão bastante pragmática tendo em conta a diversidade das PSSA e das suas necessidades. Os dois assumiram que o que se pretende é que cada pessoa encontre o seu modo de vida, algo que muitas vezes não passa pela integração socioprofissional, mas, tão só, que lhes prestem os cuidados que necessitam.

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