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Garantir a Divulgação Digital das Decisões Judiciais

OBJETIVOS

  • Garantir que todas as decisões judiciais tomadas pelos tribunais portugueses, incluindo os tribunais de primeira instância e tribunais superiores, são publicadas através da Internet, de forma acessível e transparente.

PROPOSTA

  1. Publicação de todas as decisões judiciais, anonimizadas, por excerto ou na íntegra, dos Tribunais superiores portugueses.
  2. Elaboração de um plano tendo em vista a publicação das decisões dos tribunais de primeira instância, dos julgados de paz e dos centros de arbitragem públicos, num prazo de cinco anos, começando com um projeto-piloto de publicação das decisões do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém.
  3. Centralização da publicação das decisões judiciais na base de dados online do Ministério da Justiça.
  4. Definição, por via legal, dos critérios que determinam a publicação integral ou por excerto.
  5. Uniformização dos procedimentos de publicação, estabelecendo a quem compete a publicação, os seus prazos e o formato.

RACIONAL

  1. O escrutínio do exercício dos poderes públicos é uma componente essencial do funcionamento de uma democracia liberal. As decisões tomadas devem ser transparentes e fáceis de encontrar e compreender, como parte do debate público e do processo coletivo de tomada de decisões políticas.
  2. Os tribunais têm um papel social muito importante, através da resolução de litígios de forma pacífica e da promoção do cumprimento da lei e do Direito. Todos os dias, os tribunais dão corpo ao Estado de Direito, e o seu bom funcionamento é essencial para promover a paz social e a ordem pública, bem como a confiança das pessoas no regime.
  3. Todos os dias, os tribunais tomam decisões que têm impacto direto na vida das pessoas. Embora não exista em Portugal um sistema de precedente, as decisões tomadas, principalmente no caso dos tribunais superiores, influenciam as decisões dos outros tribunais e, também, as decisões tomadas pelas pessoas.
  4. Os tribunais têm, assim, um impacto muito relevante na forma como o Direito é aplicado e vivido, na prática, pela população. Têm um impacto relevante no funcionamento da sociedade, da economia e do sistema político, ao tomarem decisões vinculativas em matérias muito abrangentes, que vão de questões familiares, a matérias empresariais, ou a avaliações da conformidade de leis ou outros instrumentos com a Constituição.
  5. Para promover debate público e promover uma melhoria contínua da qualidade das decisões jurisdicionais, é necessário que as mesmas sejam escrutináveis e escrutinadas, quer no debate público e mediático, quer no debate académico, mais especializado. Ao decidir como melhorar, em contínuo, as nossas leis, tem de saber como as mesmas se encontram a ser aplicadas, na prática, por todos os tribunais.
  6. Para o efeito, é necessário que as decisões jurisdicionais estejam disponíveis e sejam facilmente acessíveis. Para ter uma verdadeira visão de conjunto, importa maximizar o número de decisões jurisdicionais disponibilizadas publicamente, não se encontrando fundamentos objetivos para distinguir certas decisões de outras.
  7. A divulgação das decisões jurisprudenciais permite também promover um maior debate e diálogo dentro do próprio sistema jurisdicional, promovendo-se desta forma uma melhoria contínua das decisões tomadas e, também, uma potencial maior previsibilidade das mesmas (dado que existe informação disponível para aferir qual a tendência de certo tribunal para tomar uma certa decisão).
  8. A transparência fomenta a confiança e robustece a capacidade da comunidade de introduzir melhorias, onde necessário. Ter acesso a todas as decisões jurisdicionais, através de uma base de dados adequadamente sistematizada e pesquisável, parece a melhor forma de maximizar a capacidade de existir escrutínio público, mediático e académico sobre os tribunais, fomentando e alimentando o debate público sobre quais as melhorias a introduzir no nosso sistema jurídico e jurisdicional.
  9. Em Portugal, não se encontra expressamente prevista a forma de publicação de decisões judiciais. Grande parte das decisões dos tribunais superiores não é publicada, inclusivamente não havendo transparência quanto ao critério seguido para publicação, ou não, de uma dada decisão.
  10. No entanto, a publicidade das decisões judiciais está prevista, nomeadamente no artigo 163.º do Código de Processo Civil, no artigo 86.º do Código de Processo Penal, e nos artigos 30.º e 185.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Estas normas continuam a ser aplicadas ignorando a evolução tecnológica ocorrida desde que foram criadas. Trata-se de uma abordagem parada no tempo, que resulta numa publicitação incompleta e parcial das decisões judiciais, com prejuízo para a visibilidade da justiça e para o escrutínio da mesma pelos cidadãos.
  11. Não sendo públicos os critérios utilizados para decidir quais as decisões que são publicadas, é impossível avaliá-los, ou perceber que tipo de decisões ficam de fora. Acresce que a publicação na Internet é hoje fragmentada, dispersa por mais do que um sítio internet, com todas as ineficiências que daí decorrem (duplicação de publicações, aumento de custos, dificuldades de consulta, etc.).
  12. No caso das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, o atual modelo acarreta também dificuldades para que os cidadãos interponham o chamado “recurso para uniformização de jurisprudência”. Este recurso (de cariz extraordinário) é admissível caso exista jurisprudência conflituante sobre uma determinada matéria, permitindo ultrapassar esse conflito. A efetividade destes recursos é fortemente limitada quando o cidadão não tem forma de saber se existe um conflito jurisprudencial, visto que as decisões não são publicadas.

QUANTIFICAÇÃO

De acordo com as estatísticas fornecidas pelo Tribunal Constitucional, o número total de casos decididos pelo Tribunal Constitucional em 2019 foi de 1683. Ao pesquisar o ano de 2019 na sua base de dados online, pode-se ver que apenas 785 casos foram publicados online.1

No que diz respeito ao Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com as estatísticas do Ministério da Justiça, o Supremo emitiu 1463 decisões de recurso (“Recursos de Revista”) relativas ao ano de 2019, mas apenas 785 foram publicadas online, dificultando-se assim o denominado recurso por conflito jurisprudencial previsto no artigo 688 do CPC,2 visto que os cidadãos não têm um cabal conhecimento das decisões tomadas por este Tribunal.

Com respeito aos Tribunais de Recurso (“Tribunais da Relação”), 14.948 decisões de recurso (“Recursos de Apelação”) foram decididas em 2019, mas apenas 3643 decisões foram publicadas online (um rácio de cerca de 5 para 1 decisões/decisões publicadas).3

Para além da quantidade dos dados, o que também é relevante avaliar é a qualidade dos dados. Em Portugal as decisões judiciais só estão disponíveis no formato (X)HTML. Outros formatos, como o XML, seriam preferíveis como um formato de dados aberto para reutilização, uma vez que metadados, como data, decisão e partes relevantes, poderiam ser mais facilmente codificados em parte do ficheiro XML.4

QUESTÕES FREQUENTES

Qual a importância de aumentar o escrutínio das decisões judiciais? Isso não pode promover uma politização e uma mediatização excessiva da Justiça?

A divulgação de decisões jurisprudenciais permite a sua análise académica. Podem ser analisadas, de forma descritiva ou crítica, decisões específicas, ou conjuntos de decisões, para identificar tendências. Esta análise permite avaliar de forma mais completa e rigorosa a forma como a lei e o Direito se encontram, efetivamente, a ser aplicados, com destaque para análises setoriais, que permitam avaliar a forma como certas áreas do Direito funcionam, na prática.

Do ponto de vista das políticas públicas, esta análise é essencial para compreender a efetividade prática das leis, face aos objetivos subjacentes às mesmas, e para procurar compreender o impacto social e/ou económico das decisões jurisprudenciais.

Qual a importância de dinamizar o debate jurisdicional?

A divulgação das decisões dos tribunais permite a que os vários tribunais conheçam as decisões dos seus pares e dos tribunais superiores. Este conhecimento permite aos tribunais terem em consideração essas decisões, aproximando-se ou afastando-se, de forma fundamentada, das mesmas.

Este debate permitirá que os argumentos favoráveis e desfavoráveis a diversas interpretações jurídicas entrem em confronto de forma mais alargada, promovendo desta forma a identificação das interpretações mais sólidas e com fundamentos mais adequados, para cada caso concreto.

Qual a importância de dinamizar a previsibilidade das decisões jurisdicionais? Porque é que este objetivo é promovido pela divulgação de decisões jurisprudenciais?

O Direito tem dois grandes objetivos: a justiça e a certeza. A previsibilidade do Direito é essencial para permitir às pessoas viverem as suas vidas com uma ideia clara de como devem agir para agirem de acordo com os princípios e normas jurídicas aplicáveis, em cada momento, promovendo a confiança e evitando a incerteza, a ambiguidade e querelas desnecessárias.

A divulgação de decisões jurisprudenciais permite conhecer com maior detalhe como cada tribunal decide sobre cada matéria, permitindo antecipar qual o veredito mais provável em cada caso concreto,

Qual a importância de uniformizar a jurisprudência? Como é que a divulgação de decisões jurisprudenciais potencia esta uniformização?

A uniformização da jurisprudência é essencial para promover a certeza jurídica, bem como uma aplicação da lei de acordo com o princípio da igualdade. É necessário evitar que casos iguais, do ponto de vista dos pressupostos de aplicação de uma dada norma jurídica, sejam decididos de forma diferente, dependendo do tribunal.

É necessário assegurar que as decisões são uniformes, em casos análogos, do ponto de vista factual. É responsabilidade do Supremo Tribunal de Justiça promover essa uniformização.

Ao divulgar todas as decisões jurisprudenciais, é possível identificar decisões que não são uniformes, o que pode então ser levado à atenção do Supremo Tribunal de Justiça.

Qual a importância de divulgar as decisões de todos os tribunais, dos julgados de paz e de centros de arbitragem públicos? Porque não divulgar apenas as decisões dos tribunais superiores?

Todas as decisões são relevantes. Algumas serão relevantes pelo seu impacto mais sistémico. Mas muitas decisões com impacto mais reduzido, sobre a mesma matéria, são relevantes, como forma de compreender como o Direito se encontra a ser aplicado na prática, identificar tendências e decisões menos habituais.

Há matérias que poderão tender a não subir a tribunais de 2.ª instância, ou ao Supremo Tribunal de Justiça, ou ao Supremo Tribunal Administrativo, e que importa, na mesma, estudar e compreender como se encontram a ser tratadas pelos tribunais.

Importa também avaliar o funcionamento dos julgados de paz e dos centros de arbitragem, o que apenas é possível, de forma mais efetiva, se forem conhecidas publicamente as suas decisões.

Porquê divulgar as decisões dos tribunais de primeira instância e dos julgados de paz?

Incluir as decisões de 1.ª instância e dos julgados de paz permitiria:

  • Aumentar o grau de escrutínio público sobre a atuação dos tribunais de 1.ª instância e dos julgados de paz;
  • Aumentar o grau de escrutínio académico sobre essa atuação, numa perspectiva pluridisciplinar sobre a atuação da Justiça (poder-se-á inclusivamente utilizar novas tecnologias de análise de informação deste tipo);
  • Aumentar o grau de informação disponível sobre como determinada norma tem sido interpretada (poder-se-á inclusivamente começar a tentar utilizar novas tecnologias para apoiar esta análise).

Poder-se-ia argumentar que se estaria a dar mais relevância a decisões de 1.ª instância e de julgados de paz, que poderão depois ser utilizadas como “precedente” jurisprudencial, ainda que contra decisões de tribunais superiores.
Importa referir, a este propósito, no entanto, que estes “precedentes” de tribunais de 1.ª instância e de julgados de paz sempre teriam muito menos autoridade que as decisões de tribunais superiores, e que sempre teriam de ser invocadas com base na sua argumentação, que poderia ser refutada (incluindo utilizando a argumentação apresentada por tribunais superiores).

Por outro lado, decisões de 1.ª instância e de julgados de paz de qualidade, que se tornassem mais conhecidas após divulgação, poderiam ajudar a melhorar a qualidade das decisões sobre essas matérias, mesmo a nível dos tribunais superiores.

Quer do ponto de vista do funcionamento da democracia em geral, quer do ponto de vista do debate jurídico, publicar decisões de todos os tribunais é a melhor proposta.

Porquê apenas estabelecer critérios para a divulgação total ou por extratos?

Embora seja importante que se saiba que existem todas as decisões, e os seus resultados, poderão existir decisões mais relevantes do que outras, do ponto de vista do seu conhecimento completo. Numa lógica de avaliação custo-benefício da divulgação, atendendo aos custos envolvidos, em especial, na anonimização de decisões, importa identificar as decisões mais relevantes, em que o conhecimento da sua fundamentação seja essencial, por exemplo por ser trave-mestra de uma certa tendência jurisprudencial.

Porquê anonimizar as decisões antes de publicação? Isso não envolve custos elevados?

Anonimizar as decisões permite salvaguardar a privacidade das pessoas e entidades envolvidas, não sendo do interesse público conhecer esses pormenores, nem tendencialmente relevante para a avaliação da decisão em causa.
Os custos envolvidos na anonimização das decisões justifica o desenvolvimento de protocolos e mecanismos que procurem minimizá-los, e que serão objeto de estudo nos projetos-piloto.

Esta medida não implicará custos elevados, devido à necessidade de digitalização das decisões judiciais?

Como consta do artigo 24.º do CPTA e 132.º do Código de Processo Civil, os processos judiciais em matéria administrativa e cível têm já natureza eletrónica, sendo tramitados através de plataforma eletrónica. A apresentação de peças processuais pelas partes, assim como os atos processuais de magistrados são efetuadas por via digital. (cfr. arts. 4.º e 19.º da Portaria n.º 280/2013).

Fazendo um paralelismo com a publicitação de documentos administrativos, a Lei atualmente em vigor já sufraga o entendimento de que a transmissão de documentos administrativos que já se encontrem em formato digital não implicam custos de grande relevância.

Nos termos do artigo 14.º, al. d), da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, “No caso de reprodução realizada por meio eletrónico, designadamente envio por correio eletrónico, não é devida qualquer taxa.” Como afirmado pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, nomeadamente no seu Parecer n.º 32/2021 “Assim, pelos documentos que (já) estão informatizados (em que já foi feita a conversão para digitalização) e que são enviados por correio eletrónico ao requerente, não é devida qualquer taxa.”

A publicitação das decisões judiciais, tal como já sucede no âmbito dos procedimentos administrativos, não implicará qualquer digitalização de documentos (e consequentemente, grandes custos acrescidos) visto que os processos judiciais são já tramitados por via eletrónica.

Porquê esperar 5 anos para publicar todas as decisões de primeira instância?

Em média, um tribunal judicial profere um pouco mais de 11.000 decisões por ano. Portugal tem 38 tribunais judiciais, ou seja, existem cerca de meio milhão de decisões por ano.

Ao mesmo tempo, a anonimização de decisões judiciais implica bem mais que expurgar os nomes das decisões, carecendo de recursos, técnicos e humanos, que atualmente não existem no sistema judicial. Propondo-se um projeto-piloto, pretende-se compreender os custos e as dificuldades sentidas neste processo, de forma a mitigá-los no longo prazo.

Qual a importância de projetos-piloto neste domínio?

Os projetos-piloto permitem identificar dificuldades práticas com a política de divulgação de decisões jurisprudenciais e protocolos para a efetivar da forma mais eficiente, atendendo às dificuldades identificadas. Permite também avaliar o impacto potencial da política em causa.

Porquê ter o projeto-piloto no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém?

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém é um tribunal de competência especializada, que decide sobre matérias que raramente chegam ao Supremo Tribunal de Justiça – a matéria contra-ordenacional esgota-se frequentemente nos Tribunais da Relação.

Assim, pela especialização do tribunal e consequente particularidade da matéria, faz sentido que se publiquem as decisões de primeira instância proferidas por este tribunal.

Qual a importância de criar uma base de dados centralizada?

A base de dados centralizada facilita o acesso às decisões dos tribunais. Quem tenha interesse, sabe que poderá encontrar a decisão num sítio específico, evitando-se a dispersão de informação, e facilitando que a mesma seja encontrada por quem a procure ou a quem interesse.

Referências

1 (TC > Tribunal Constitucional > Estatísticas,” accessed July 1, 2021, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/tribunal-estatisticas.html)
2 (Data from 01/01/2019 to 31/12/2019 in “ECLI – Jurisprudência Portuguesa,” accessed July 7, 2021, https://jurisprudencia.csm.org.pt/)
3 (“Recursos Cíveis Findos Nos Tribunais Judiciais Superiores,” accessed July 7, 2021, https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Recursos-civeis-findos-nos-tribunais-judiciais-superiores.aspx)
4 (in “File Formats,” accessed June 23, 2021, http://opendatahandbook.org/guide/en/appendices/file-formats/. “Recommendation 20: For reuse purposes court decisions should be made available in the most optimal computer-readable format possible, given the capabilities of the drafting process. JSON or RDF/XML are preferred” in Marc van Opijnen et al., “On-Line Publication of Court Decisions in the EU… p. 151)

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