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Libertar o setor da habitação: usar os imóveis públicos, incentivar a construção e o arrendamento para aumentar a oferta

OBJETIVOS

  • Aumentar a oferta de habitação como forma de promover a baixa dos seus preços e tornar a habitação mais acessível a todos os cidadãos
  • Aumentar a transparência na gestão do património do Estado, inventariando o mesmo e colocando todos os imóveis públicos inutilizados ou desocupados no mercado.
  • Simplificar a carga fiscal sobre o setor da construção e demais custos de contexto, como forma de impulsionar a oferta e atrair capital de longo-prazo para investimento no mercado de arrendamento
  • Flexibilizar e atualizar a legislação sobre o setor para que seja mais fácil reabilitar e modernizar imóveis, de modo a aumentar o parque habitacional disponível

PROPOSTA

  1. Criação de um portal unificado com o inventariado detalhado do património imobiliário do Estado
  2. Colocação das dezenas de milhares de imóveis públicos inutilizados no mercado
  3. Redução do IVA da construção imobiliária para habitação de 23% para 6%, com a mesma lógica condicionada que já existe na reabilitação urbana, e fim do AIMI (Adicional ao Imposto Municipal de Imóveis)
  4. Eliminar o IMT (Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis) na compra de habitação própria e permanente bem como eliminar o Imposto de Selo sobre transações imobiliárias (que constitui uma dupla tributação ao taxar, juntamente com o IMT, a mesma realidade económica).
  5. Redução da taxa de tributação em sede de IRS aplicada ao arrendamento (bem como outros rendimentos) para 15%, o que constituirá um incentivo relevante para que os proprietários de imóveis vejam no arrendamento uma boa alternativa
  6. Isentar contratos de arrendamento de Imposto de Selo de modo a incentivar o mercado de arrendamento (porém mantendo a obrigação de registo contratual)
  7. Realização de um plano de eliminação de custos de contexto urbanísticos que reduza e simplifique drasticamente o número de imposições administrativas e taxas de urbanização, edificação, utilização e ocupação
  8. Simplificar e atualizar o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, bem como proceder a alterações legislativas no âmbito do Regime Jurídico das Obras em Prédios arrendados, no que concerne aos casos de necessidade e oportunidade de obras de reabilitação
  9. Fim imediato do congelamento das rendas de contratos anteriores a 1990, alterando o Novo Regime de Arrendamento Urbano, o qual tem sido recorrentemente adiado nos últimos anos, garantindo realojamento em situações de carência social. Em caso de carência económica, o inquilino terá várias soluções ao seu dispor. Em caso de acordo com o proprietário: Subsídio de renda a ser atribuído pelo Estado, conforme já previsto, e de modo a que inquilino se possa manter no local onde já habita. Em caso de não acordo com o proprietário: o Estado será o responsável direto pelo realojamento das pessoas carenciadas, se possível no seu próprio património devoluto (daí ser fundamental concluir o levantamento que dura há demasiado tempo). Cabe ao Estado assumir essa responsabilização através das diferentes opções disponíveis: o seu próprio património; ou através da oferta municipal; ou através das bolsas de património disperso; ou até de soluções disponíveis no mercado.
  10. Flexibilizar a legislação de forma a facilitar a demolição de edifícios, a diminuir a exigência de preservação de fachadas e a permitir a construção em altura em zonas periféricas

RACIONAL

É consensual que Portugal tem uma das mais elevadas taxas de esforço para habitação no orçamento familiar, seja de arrendamento ou de compra, resultado dos baixos rendimentos disponíveis dos agregados familiares combinados com o aumento verificado no preço da habitação e do custo de arrendamento. Este é um problema europeu que se tem acentuado nos últimos anos na maioria dos países, dado que o aumento salarial não subiu ao mesmo ritmo do que os preços da habitação.

A solução a longo-prazo passa pela promoção de uma reforma estrutural do modelo económico nacional, permitindo um aumento dos salários reais dos portugueses e uma elevação do seu poder de compra a níveis próximos da média dos congéneres europeus. A curto e médio prazo devem-se alterar as condições em que o mercado de habitação opera, de modo a aumentar substancialmente a oferta.

Na última década, os custos médios com a habitação subiram pela combinação de dois fatores: procura em máximos históricos (promovida por taxas de juro historicamente baixas) e oferta próxima de mínimos registados. Recentemente, o custo da matérias-primas veio agravar este contexto.

Em Portugal, na vertente da procura, destaca-se que: i) 11% da mesma é de cidadãos não-nacionais; ii) a mudança no perfil da família com o aumento das famílias monoparentais gerando uma maior necessidade de habitação; iii) a crescente concentração nas áreas urbanas e do litoral. A diminuição da população nacional refletida nos Censos 2021 ocorreu essencialmente em áreas de baixa e média densidade do Interior do país, não se refletindo significativamente numa diminuição de procura que compense os fatores acima mencionados.

Por outro lado, a oferta habitacional praticamente estagnou na última década, com um aumento de apenas 1% no número de casas disponíveis no país. Apesar do volume de vendas ter aumentado (graças ao aumento dos preços) o número de casas vendidas na última década ficou 40% abaixo do período homólogo. Faltam casas. Como tal, a solução só pode passar pelo aumento da oferta de habitação em Portugal.

A expansão da oferta habitacional em Portugal passa por várias medidas.

Uma inventariação estruturada de todos os terrenos e imóveis públicos é uma medida fácil por onde começar.

É impensável que nas atuais circunstâncias não seja possível aferir concretamente a dimensão do património público, nem o seu impacto na contribuição para a falta de oferta, lacuna que igualmente não permite a valorização dos seus (nossos) ativos.

Em 2017, numa auditoria realizada à Gestão do Património Imobiliário do Estado, a Inspeção-Geral de Finanças revelou que a Direção-Geral do Tesouro e Finanças desconhecia o número de imóveis do Estado que tinha sob sua responsabilidade. Adicionalmente, foi também revelado que, dos que estavam registados até ao fim de 2016, havia 4.596 desocupados no final de 2016, e em cerca de 72% dos mais de 12 mil imóveis registados não constava o Valor Patrimonial Tributário (VPT).

Por sua vez, em 2020, o Tribunal de Contas fez uma auditoria ao inventário do património imobiliário do Estado e revelou que, passados 11 anos desde o programa de inventariação de 2009-2012, o Estado continuava sem saber quantos imóveis tinha, o que dificultava o processo de regularização dos mesmos. Segundo o relatório da auditoria, “no final de 2019, o Sistema de Informação dos Imóveis do Estado (SIIE) continha 9495 registos de imóveis do domínio privado do Estado, enquanto constavam 18671 registos na base de dados do registo predial (IRN) e 62597 na da inscrição matricial (Autoridade Tributária)”. Destes, só cerca de 20% dos imóveis do Estado tinham informação relativa ao valor patrimonial e essa informação era anterior em 65% dos restantes imoveis.

É fundamental criar condições para que haja mais construção. Os custos de construção têm subido de forma substancial, sobretudo devido ao aumento dos preços de matérias-primas e à falta de mão-de-obra de diversas qualificações profissionais. De acordo com o INE, em setembro de 2021, os custos de construção aumentaram 7,1% em termos homólogos. Cabe ao Estado aliviar os custos de construção que são sua responsabilidade direta, os quais representam uma componente substancial do custo total, bem como contribuir para a resolução dos restantes problemas estruturais.

Segundo a Associação Portugueses de Promotores e Investidores Imobiliários, a carga fiscal sobre habitação ronda os 30%, podendo chegar a 40%, quando, aqui ao lado, em Espanha não atinge metade deste valor. Perante este cenário, não é difícil de perceber onde irá um investidor imobiliário investir em nova oferta. Portugal é dos poucos países europeus onde o IVA na habitação não é reduzido nem dedutível. Em Portugal, o IVA a 23% na construção é um dos maiores custos de um projeto imobiliário. Uma redução de IVA incentivaria o investimento num maior número de projetos imobiliários, gerando mais oferta habitacional.

Portugal tem ainda duplicação de impostos, como é o caso do famoso AIMI (Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis), conhecido por imposto Mortágua, que atinge mais de 500 mil imóveis e 80 mil contribuintes. Com este nível de asfixia fiscal facilmente se percebe porque falta oferta em Portugal e se entende também que é impossível construir habitação a preços acessíveis, dado que apenas na habitação de luxo se encontram margens decentes.

É preciso ter uma fiscalidade amiga do arrendamento, um mercado que cresce cada vez mais, não só devido aos preços de compra das casas, mas também por mudanças culturais no perfil do consumidor, o qual muitas vezes já não quer ser proprietário de um imóvel.

Atualmente, em sede de IRS, os proprietários suportam uma taxa de 28% (tributação autónoma) sobre as rendas auferidas. Ao abrigo do Regime de Redução de Taxa, é possível uma redução da mesma através da dilatação da duração do contrato. No caso dos contratos entre dois e cinco anos há uma redução de dois pontos percentuais na taxa para 26%, entre cinco e dez anos a taxa é 23%, entre dez e vinte anos é 14% e mais de 20 anos é 10%. É necessário simplificar e reduzir valores.

O programa de arrendamento acessível demonstrou ser um falhanço em toda a linha. Hoje em dia, os senhorios que celebrem contratos no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível têm isenção de IRS ou IRC sobre essas rendas. Essa redução assume que o valor da renda seja, pelo menos, 20% mais baixo que o valor de referência, que depende de múltiplos fatores e o contrato tenha a duração de mínima de cinco anos.

A obrigação de longa duração faz com que não haja grande incentivo para o proprietário entrar no programa. Existem também condições exigidas na tipologia, burocracia excessiva no procedimento concurso e a exigência de seguros de renda obrigatórios. Este programa deve ser descontinuado, passando o foco à simplificação e redução da fatura fiscal.

Não só pela redução da carga fiscal é possível provocar uma inversão da evolução que tem existindo no mercado habitacional. Outros défices de agilidade e de simplificação, como são os longos processos de licenciamento nas principais cidades, bem como a instabilidade e imprevisibilidade legislativa, local e nacional, geram desconfiança e insegurança nos investidores.

O Estado tem sistematicamente penalizado o setor, quer através de agravamentos fiscais, quer através de outras alterações legislativas. Em 2020, o Estado intrometeu-se no livre acordo entre agentes privados, no caso dos acordos entre proprietários comerciais e lojistas. Em 2021, pela terceira vez, o Governo adiou o descongelamento das rendas habitacionais de contratos celebrados antes de 1990.

Foi na proposta de Orçamento do Estado para 2022, entretanto chumbada, que o Executivo propôs que o período transitório passasse de dez para 11 anos. Em Lisboa, por exemplo, segundo a Associação Lisbonense de Proprietários, mais de 60% dos proprietários da capital têm rendas congeladas, o que distorce o mercado fazendo, entre outras coisas, com que os jovens paguem preços muito mais elevados.

Para se conseguir criar habitação a preços acessíveis é essencial atrair capital para o sector, por exemplo fundos de pensões, que pela sua natureza procuram rentabilidades e rendimentos estáveis ao longo de 30 ou 40 anos. Só com estabilidade na legislação será possível Portugal vir a ter operações de build to rent (construir para arrendar) como outros países têm.

Para isto ocorrer, tem de haver uma proteção base dos direitos dos inquilinos, bem como respeito pelo direito de propriedade dos proprietários. Na ausência de cumprimento das obrigações contratuais por parte do inquilino, o contrato deve cessar e o mecanismo deve ser expedito. O não cumprimento de contratos sem consequências legais e com processos de despejo excessivamente longos, gera insegurança e desconfiança por parte de investidores de várias dimensões, contribuindo para a fraca evolução do parque habitacional.

Em Portugal falta não só construção nova, mas também renovação do stock existente. Apenas 33% do atual parque habitacional tem menos de 30 anos. Nas duas principais cidades do país, Lisboa e Porto, o valor ronda os 15%, isto é, 85% do stock foi construído há mais de 30 anos. Segundo o INE, o país tem cerca de um milhão de edifícios que carecem de reabilitação, dos quais 40% estão em más condições de habitabilidade. O congelamento das rendas durante décadas fez com que as zonas históricas do país fossem abandonadas, com o edificado envelhecido e sem condições para ser habitado.

A situação melhorou nos últimos anos, com a reabilitação dos centros históricos das cidades, graças ao regime de incentivos fiscais criado para a reabilitação e o turismo com o Alojamento Local. Atualmente, projetos dentro das Zonas de Reabilitação Urbana que cumpram determinados critérios beneficiam de uma redução de IVA de 23% para 6% e da recuperação total de IMT no fim da obra, bem como nos casos em que os imóveis tenham sido concluídos há mais de 30 anos. Para a reabilitação há ainda diversas isenções de IMT e IMI, descidas de IRS e IRC e a possibilidade de beneficiar de uma redução a metade das taxas devidas pela avaliação do estado de conservação. Estes incentivos fiscais foram essenciais no sucesso na reabilitação de grande parte das chamadas zonas históricas, pelo que o mesmo princípio se deve aplicar na construção de nova habitação.

Para além da manutenção dos incentivos fiscais à reabilitação, é necessário flexibilizar alguma da legislação que existe neste mercado. A reabilitação estrutural não é a exceção, é a regra, porque Portugal tem legislação que torna a demolição praticamente impossível. Reestruturar torna-se muitas vezes mais caro e praticamente impossível de conciliar a preços acessíveis, com os requisitos ambientais que vão sendo cada vez mais exigentes devido aos programas ambientais europeus. Para além disso, temos mais legislação que dificulta a renovação a preços razoáveis como a exigência da manutenção da fachada, o que obriga muitas vezes a manter de forma onerosa estruturas antigas, ineficientes e inseguras.

A legislação, fiscalidade e restrições fazem da reabilitação de qualidade um projeto apenas para quem pode pagar.

QUESTÕES FREQUENTES

Estas propostas de reduções fiscais só servem os interesses dos grandes promotores imobiliários?

Não. A redução fiscal irá ser benéfica para todos. Portugal tem uma carga fiscal sobre o setor da habitação que varia entre os 30% e os 40%, um valor muito elevado que encarece brutalmente o preço das casas. Ao baixarmos os impostos sobre quem constrói iremos aumentar a oferta e, assim, também baixar os preços a que a habitação está disponível no mercado.

Há quem argumente que uma baixa de impostos levará apenas a aumento brutal da margem do promotor e não a uma descida dos preços aos consumidores finais. Tal preocupação pode ser resolvida implementado, por exemplo, na habitação destinada ao arrendamento a mesma lógica que tenha sido usada nos incentivos fiscais à reabilitação, isto é, o promotor recupera os impostos que pagou depois de cumprir a obra, certos requisitos e colocar o imóvel no mercado durante um determinado período. Esta é mesmo uma solução defendida por vários promotores imobiliários.

O mercado demora a ajustar-se?

Não há soluções milagrosas. Todos os programas do Estado que a Geringonça tentou implementar nos últimos anos não só demoraram muito arrancar como falharam redondamente. Demoraram e não resolveram nada. Tal como em todos os setores, o problema não desaparece de um dia para o outro, nem de um ano para outro. No entanto, todos sabemos que a construção assim que começa tende a ser rápida e pode mesmo acontecer de um ano para o outro. Não podemos é ter legislação de há muitas décadas que tudo complica, nem licenças que demoram três ou quatro anos.

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