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Obrigatoriedade de Análise Custo-Benefício prévia nas decisões de investimento em megaprojetos

OBJETIVOS

  • Garantir que as decisões de investimento em megaprojetos, tomadas pelo Estado,  são baseadas em análises de custo-benefício que defendam o interesse público.

PROPOSTA

  • Introduzir a obrigatoriedade de realização de Análise Custo-Benefício (ACB)  prévia a qualquer decisão política sobre investimentos públicos em megaprojetos  de infraestrutura.  A análise deve avaliar a necessidade do investimento, e comparar as alternativas  de investimento, contemplando todos os elementos de custo e benefício quantificáveis, incluindo impactos sociais e ambientais e, se necessário, complementando  com análise multicritério que inclua benefícios e custos não quantificáveis.  Estas análises devem ser realizadas por entidades independentes do Governo,  e disponibilizadas de forma pública e aberta, para que permitam à cidadania  o cabal conhecimento dos pressupostos dos estudos realizados.

RACIONAL

Um país próspero é um país que utiliza o capital disponível para realizar os melhores investimentos possíveis e o Estado tem a responsabilidade de seguir este princípio.  A seleção entre alternativas de investimento público implica a utilização de largas somas de dinheiro público que deve ser usado nos melhores investimentos possíveis, ou, quando um investimento não tenha um saldo socioeconómico positivo, tal dinheiro público não  deve ser usado de todo. A melhor forma de avaliar a qualidade de um investimento público  é estimar os seus benefícios e os seus custos e medir os riscos envolvidos. Embora  a decisão final seja sempre política devem ser escolhidos os investimentos com um maior rácio entre custos e benefícios dentro de perfis de risco bem controlados.  A isto chama-se uma Análise Custo-Benefício (ACB).

Os megaprojetos de transportes (autoestradas, pontes, aeroportos, linhas ferroviárias, linhas de metro) são provavelmente o tipo de investimento público em que, pela  sua dimensão e possibilidade de quantificar custos e benefícios, a aplicação de ACB  mais pode maximizar o interesse público através de uma influência positiva sobre  as decisões políticas.

Uma ACB deve determinar (i) se um investimento público tem ou não benefícios maiores que os custos de investimento e outros impactos negativos, e (ii) comparar cenários  e projetos diferentes de investimento para aferir qual é o melhor.

Existem múltiplos guias disponíveis para a prática de ACB de avaliação de investimentos, incluindo um guia europeu para esse efeito. Em diversos países (UK, Países Baixos…),  é obrigatório por lei o desenvolvimento de ACB em grandes projetos de investimento  em infraestruturas há pelo menos 20 anos.

Em Portugal, os investimentos públicos continuam a ser decididos com base em critérios exclusivamente políticos, sem estudos técnicos objetivos que permitam aferir as vantagens e desvantagens reais dos projetos, tendo em conta os riscos envolvidos. Em Portugal, só são realizadas ACB quando as regras da UE a tal obrigam para efeitos de financiamento dos fundos de coesão. Quando são feitas, as ACB são encomendadas para cumprir com um aspeto burocrático e os resultados são comummente martelados para o estudo dar um resultado positivo para o projeto em causa, ao mesmo tempo que se dispensa  a realização de estudos comparativos entre investimentos alternativos.

O estado económico-financeiro a que Portugal chegou deve-se em grande medida  a esta cultura em que os grandes projetos são decididos em gabinete político sem ter  em conta o interesse público dos investimentos. Por exemplo na rodovia, tornando-nos  no segundo país da UE com maior densidade de autoestradas, diversas delas com pouco tráfego, e que nos deixaram dívidas incomportáveis. Diversos outros megaprojetos aprovados politicamente só não foram para a frente porque o Estado português entrou em pré-bancarrota antes de serem concretizados. A importância das ACB em Portugal é, igualmente, atestada por diversas entidades, nomeadamente a OCDE, que no seu Economic Survey sobre Portugal, publicado a 10 de dezembro de 2021, assume como recomendação chave que Portugal dê “prioridade aos projetos que têm um maior  impacto económico e social, baseando-se em análise de custo-benefício”.

Infelizmente, o período de ajustamento que o país enfrentou e as imposições da Troika não nos trouxeram a resolução deste grave problema de decisão pública. As regras impostas pela Troika sobre a realização de ACB incidem apenas sobre os contratos de PPP e não sobre os projetos em si. O atual Governo PS modificou o enquadramento legal aplicável  às PPP, eliminando a obrigatoriedade da análise custo-benefício, através do Decreto-Lei n.º 170/2019, de 4 de dezembro. Todavia, a Assembleia da República acabou por fazer cessar a vigência deste Decreto-Lei, por proposta de vários partidos, nomeadamente  da Iniciativa Liberal, através de uma Resolução que contou apenas com o voto contra  do Partido Socialista. Como afirmou a Iniciativa Liberal no Projeto de Resolução  N.º 296/ XIV/1:

“O Decreto-Lei n.º 170/2019, de 4 de dezembro modifica o enquadramento legal aplicável às Parcerias Público-Privadas (PPP), implicando que, na sua constituição,  a análise de custo-benefício deixe de ser obrigatória, passando a sua elaboração  a ser uma decisão política e casuística do Conselho de Ministros.

Entendemos que as análises de custo-benefício são essenciais para promover uma adequada contratação das PPP sendo que estas necessitam de ser rigorosas, independentes e transparentes, devendo, igualmente, constituir um critério para  a adjudicação da própria concessão, contribuindo para uma análise mais eficiente.

Eliminar as análises custo benefício não só aumenta a arbitrariedade, mas retira também o rigor técnico. Esta alteração faz com que a decisão relativa à contratação das PPP, que é fundamental e determinante para a população portuguesa, seja transformada numa decisão arbitrária e política. Não deveria, portanto, suscitar qualquer dúvida que os objetivos politicamente definidos devam ser acompanhados de soluções tecnicamente válidas e financeiramente responsáveis para o presente e para o futuro.

Cumpre, igualmente, assegurar que estes contratos, pela importância que assumem para a vida pública, sejam celebrados dum modo transparente, e que se permita  o adequado escrutínio dos mesmos.”Além da necessidade de estender a realização obrigatória de ACB a todo o tipo  de megaprojetos, será ainda necessário garantir que os processos são sérios. Ao contrário das ACB encomendadas para cumprir burocracia e garantir financiamento europeu, o processo de desenvolvimento de uma ACB deve ser sério e obedecer a critérios  de independência e transparência.

Para tal, defende-se que as ACB:

  1. Sejam obrigatórias para megaprojetos;
  2. Sejam levadas a cabo por uma entidade idónea e independente do Governo;
  3. Sejam escrutináveis e passíveis de serem verificadas atempadamente por entidades habilitadas para o efeito, tais como o Tribunal de Contas, o Conselho de Finanças Públicas ou a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, pelo que os estudos, as bases de dados e os ficheiros de trabalho, bem como os respetivos pressupostos e modelos de cálculo, devem ser abertos e transparentes;
  4. Estejam concluídas antes da deliberação política favorável à realização do projeto;

QUANTIFICAÇÃO

Um estudo ACB pode custar tipicamente entre 25 e 100 mil euros, um valor largamente compensado pelos benefícios económicos de tomar decisões informadas sobre  os megaprojetos a realizar, minimizando o risco de uma decisão menos eficiente.

QUESTÕES FREQUENTES

O que se considera um megaprojeto?

Consideram-se megaprojetos aqueles cujo custo ultrapasse 50 milhões de euros.

As necessidades das pessoas não se traduzem em números. Como é possível quantificar se um projeto é desejável ou não?

As metodologias da ciência económica permitem traduzir em números a maior parte  dos custos e benefícios, através de análises de preferências, cálculo de custos diretos  e indiretos relacionados com impactos (por exemplo: anos de vida perdidos devido  a emissões de gases poluentes), ou outros métodos, sejam os ambientais, de segurança, alterações climáticas, valor do tempo, ou outros. Existem décadas de estudos sobre esta matéria e diversos países têm guias dedicados, bem como a Comissão Europeia, que disponibilizou o Guia de Análise Custo-Benefício, o qual indica valores de referência para os custos e benefícios que podem ser ajustados ao contexto dos países e âmbito territorial (urbano, etc.).

Como é que um estudo destes pode ser auditado?

Nada impede a partilha da folha de cálculo com a explicitação de todos os pressupostos incluídos no estudo, de modo que qualquer pessoa possa estudá-los. Esta proposta sugere que a sua disponibilização pública deva ser obrigatória.

Os processos relativos a projetos destes já são muito lentos. Deve-se atrasá-los ainda mais com a realização destes estudos?

A experiência nacional tem mostrado que a falta de credibilidade das decisões tomadas  e a mudança de ciclos políticos têm provocado atrasos em diversos projetos pelo facto  de a escolha final não estar suficientemente sustentada em análise técnica.  Essa sustentação técnica num processo transparente tornará o processo posterior  à opção política final mais rápido e menos arriscado politicamente.

Deve ser obrigatório seguir os resultados de um estudo ACB? (por exemplo  se disser que o projeto A é melhor que o projeto B)

Pode haver razões políticas, ou mesmo fatores de análise técnica que não é possível quantificar, que poderão levar a tomar uma decisão diferente da que é sugerida pelo estudo. O estudo ACB pode ainda ser complementado com uma análise multicritério  se existirem elementos que não é possível quantificar (vide o estudo do LNEC que levou  à mudança da decisão de localização do novo aeroporto de Lisboa da Ota para Alcochete). De qualquer forma o que é importante é que se houver uma decisão diferente da indicada pelo estudo, tal seja justificado e transparente.

Uma ACB não serve para apoiar na decisão porque não tem em conta os custos ambientais e sociais…

Falso. Estes estudos económicos têm em conta custos de ambiente, saúde e segurança,  de forma mais rigorosa do que estudos ambientais que não têm a capacidade  de estabelecer trade-off entre vantagens e desvantagens dos projetos nas suas  diversas vertentes.

Tal tipo de estudo é complexo e pode haver resultados para todos os gostos, podendo ser instrumentalizados.

A metodologia para a realização de ACB encontra-se bastante bem estabelecida após décadas de experiência académica e políticas públicas em países onde estes estudos  se encontram bem estabelecidos. O guia europeu sobre esta matéria é bastante objetivo, no âmbito dos projetos de transportes, sobre o que deve ser contabilizado e como.  A capacidade para manipular dados pode ocorrer tanto nos estudos de procura como nos  outros pressupostos aplicáveis (por exemplo valores unitários de custos e benefícios, como o valor do tempo), mas esta proposta defender que o estudo deve ser transparente e facilmente auditável pelas pessoas e instituições. Este processo e abertura ao escrutínio tem precisamente a ideia de minimizar o risco de manipulação da decisão política a favor  de interesses particulares.

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