Ricardo Arroja: “O Estado serve-se das pessoas em vez de servir as pessoas”

O Iniciativa Liberal demarca-se da caraterização política tradicional e diz que o debate esquerda-direita está obsoleto: “Defendemos um posicionamento num eixo vertical, em que no topo estão as pessoas e em que o Estado é apenas uma emanação das pessoas, um meio de agregação de vontades individuais”. Para a União Europeia, como para Portugal, quer menos barreiras à concorrência e à livre circulação de pessoas. Afinal, Portugal tem um dos PIB per capita mais baixos da Zona Euro, mas pode mudar a trajetória se for buscar exemplos aos melhores.
Nasceu no Porto em 1978 e com poucos meses foi viver para o Canadá, onde o pai foi fazer o doutoramento. Regressou oito anos depois, já com dois irmãos. Licenciou-se na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e até 2015 trabalhou na área financeira das empresas de família. Começou a dar aulas em 2009, na área de Mercados Financeiros e de Finanças Empresariais, no ensino público e privado.

Ricardo Arroja, 41 anos, pai de quatro filhos, entre os três e os dez anos de idade, é o cabeça-de-lista do Iniciativa Liberal ao Parlamento Europeu, um desafio que só aceitou depois da concordância da sua mulher. Dedica quase todo o tempo livre aos filhos, “uma enorme responsabilidade”. E gosta de ler; o último livro que leu, “uma péssima tradução para português”, foi “Identidades”, de Fukuyama – uma reflexão sobre a política internacional, dominada por eleitores que acreditam ter sido desconsiderados na sua dignidade: étnica, nacional, religiosa e sexual.

O encontro com o SAPO24 foi na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em Braga, onde dá aulas. Começámos por falar na cobertura televisiva que tem sido dada aos partidos mais pequenos e também aos novos partidos em relação àqueles que dominam o sistema ou que têm assento parlamentar na Europa.

Concorda com as escolhas que têm sido feitas para os debates televisivos ou considera-se preterido em relação aos maiores?

Não há sistemas perfeitos, mas o sistema de sorteio pode funcionar e é justo, não é? De resto, Marinho Pinto foi muito crítico com a RTP por não o incluir no debate com os maiores, como fez a SIC, uma vez que ele esteve representado no Parlamente Europeu na última legislatura. Não tenho feito muito alarido porque, em primeiro lugar, respeito os critérios de cada um. Em segundo lugar acho que nós também temos de fazer pela vida e colocar a nossa mensagem no público e usar os nossos meios. É a velha história do supermercado: se o produto for bom, há de aparecer na prateleira em algum momento.

“NAS REDES SOCIAIS, INSTAGRAM, FACEBOOK E TWITTER, A NOSSA PEGADA DIGITAL É MAIOR DO QUE TODOS OS PARTIDOS”

Acredita, então, que o Iniciativa Liberal está a fazer caminho? Qual a estratégia?

O Iniciativa Liberal tem estado a fazer uma campanha diferente. Nas redes sociais, se considerarmos o Instagram, o Facebook e o Twitter, a nossa pegada digital é maior do que a de todos os partidos. Isso dá-nos uma visibilidade muito grande junto do público mais jovem. Temos feito cartazes muito originais, diferentes do ponto de vista visual, irreverentes, ao mesmo tempo que procuramos divulgar uma mensagem que entendemos que é coerente com os princípios que defendemos.

Que princípios defende o Iniciativa Liberal?

Defendemos os princípios da liberdade económica, política e social, com a ideia do primado das pessoas. A ideia de que o Estado é apenas um meio de angariação comum de vontades individuais das pessoas e não um fim em si próprio. Temos também feito um esforço de divulgar as nossas ideias através de artigos de opinião nos media: já publicámos no Público, no Observador e no Eco, e isso vem na sequência de uma atividade do Iniciativa Liberal que acho muito meritória, a criação do Portugal 2040.

O que é o Portugal 2040?

O Portugal 2040 é uma espécie de think tank criado ainda antes do anúncio da minha candidatura e que reúne algumas personalidades, quer ligadas ao partido enquanto militantes do Iniciativa Liberal, quer independentes – eu sou independente -, e em que cada uma destas pessoas tem a seu cargo uma área temática. Eu fiquei com as finanças públicas, há pessoas a trabalhar na modernização administrativa, nos temas da educação, da saúde, do ordenamento do território, da justiça, etc., para produzir um conjunto de ideias que são não exatamente um programa de governo, mas medidas que podem orientar um futuro programa de governo – até porque vêm já aí as legislativas.

Porquê cabeça-de-lista pela Europa?

Vou dar-lhe três motivos. Em primeiro lugar, porque o Iniciativa Liberal é liderado por pessoas que conheço e que merecem a minha consideração e respeito, ao contrário dos partidos convencionais, que têm, infelizmente, tudo o que de mau tem um partido. Como se trata de uma nova organização, um novo esforço, o Iniciativa Liberal não traz a bagagem do passado. O segundo motivo é que o programa do Iniciativa Liberal tem em muitos dos seus trechos argumentos que eu próprio tenho vindo a defender profusamente ao longo dos últimos anos nos meus artigos de opinião – comecei no Vida Económica, em 2004, depois no Diário Económico, em 2012, e desde 2016 tenho feito parte do corpo de colunistas do Eco. Neste momento interrompi a minha participação em face da candidatura. Além disso tenho feito muita intervenção na RTP, fui comentador de forma regular desde 2014. Ou seja, há muitos anos que tenho intervenção pública, há muitos anos que defendo as ideias liberais que, em larga medida, estão refletidas no programa do Iniciativa Liberal de uma forma que nunca vi refletida em Portugal.

“OS PRINCIPAIS PARTIDOS, DA ESQUERDA À DIREITA, DEFENDEM IDEIAS QUE NA SUA GÉNESE SÃO TODAS ELAS SOCIALISTAS”

Decidiu passar das palavras aos atos, foi isso?

Tudo somado, pareceu-me que era altura de passar das palavras aos atos e procurar uma primeira experiência política, de forma a ver com que intensidade estas ideias colhem junto da opinião pública, porque acredito que estamos num momento em que precisamos de uma alternativa. Os principais partidos, da esquerda à direita, defendem ideias que na sua génese são todas elas socialistas, umas mais outras menos, uma grande dependência do Estado, uma grande associação ao Estado, com os lóbis instalados, centralizadores e que não defendem a concorrência, mas sim interesses corporativos.

Isso também se aplica à Europa?

A ideia da Europa é uma ideia que me atrai, em primeiro lugar porque a Europa tem sido um espaço de grande oportunidade para Portugal, e é assim que deve permanecer: um espaço de oportunidade e de abertura para as pessoas, das liberdades fundamentais. E há muitas liberdades que não estão ainda devidamente concretizadas.

Por exemplo?

Por exemplo, a liberdade do mercado de serviços, onde persistem inúmeras barreiras administrativas entre os países e que é importante desmantelar. Este é um ponto que considero muito importante, porque cria oportunidades para os portugueses, para aqueles que querem fazer do mercado europeu um mercado de exportação, para aqueles que querem trabalhar e viver noutros países, para aqueles que querem beneficiar de experiências que aqui não conseguem beneficiar.

“SOMOS O SEGUNDO PAÍS COM O PIOR ÍNDICE DE CONFORMIDADE LEGISLATIVA E ESTAMOS NO TOP DOS PAÍSES COM MAIS ATRASOS NA TRANSPOSIÇÃO DE DIRETIVAS”

Aí entra também a questão legislativa…

Sim. Hoje uma boa parte a legislação portuguesa deriva de regulamentos e diretivas europeias, portanto a capacidade de influenciar o rumo em Portugal está também eminentemente na Europa. E há muitos domínios em que Portugal continua a legislar de forma atrasada e equivocada: somos o segundo país com o pior índice de conformidade legislativa (das diretivas europeias transpostas para o direito nacional) e estamos no top dos países com mais atrasos na transposição de diretivas, de acordo com o relatório de governo da União Europeia.

SAPO24, 14 de Maio de 2019

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