Opinião – CGP – Um choque fiscal nos combustíveis

A grande preocupação na política fiscal sobre os combustíveis não é ambiental, é alimentar o Orçamento do Estado. Mas este abuso elitista e centralista um dia chegará ao fim.

Portugal tem um dos combustíveis mais caros da Europa (a 4º gasolina e o 6º diesel mais caros da Europa). Ao contrário da desinformação que por vezes passa, os combustíveis não são caros devido à falta de concorrência no mercado. De acordo com um relatório da Comissão Europeia, o preço do diesel antes de impostos é exactamente o mesmo em Portugal e Espanha, estando em linha com a média europeia. A grande diferença é que em Portugal os impostos pesam mais 16 cêntimos por litro do que em Espanha. Na gasolina a diferença é ainda maior. Quando aos preços dos combustíveis se adicionam outros custos de utilização do automóvel, Portugal é mesmo o país mais caro da Europa para se andar de automóvel. Se compararmos os custos com os salários médios de cada país, a situação ainda é mais dramática para os portugueses.

O elevado preço dos combustíveis tem efeitos devastadores na economia portuguesa. Num país onde muitos têm casa própria (mais do que na Alemanha), estando por isso presos a um local de residência, o custo da mobilidade afeta a área geográfica onde as pessoas podem procurar emprego.

Uma pessoa que receba o salário mínimo nacional e trabalhe a 50 quilómetros de casa (algo perfeitamente normal noutros países) gastará cerca de 20% do seu salário em combustíveis, dos quais grande parte serão impostos. Pagará mais impostos para trabalhar do que alguém que ganhe o dobro mas trabalhe perto de casa. Muitos preferirão ficar no desemprego a ir trabalhar tão longe.

O preço dos combustíveis afecta também o preço dos bens alimentares, normalmente produzidos fora dos grandes centros e, por isso, com elevados custos de transporte. Agrava ainda a desigualdade no acesso a serviços públicos dos portugueses que vivem em zonas mais remotas. Não é pouco comum a quem vive fora dos grandes centros ter que percorrer mais de 50 quilómetros para ir a uma consulta de especialidade ou visitar um familiar internado. Sem grandes alternativas de transportes públicos, cada visita pode custar (só em combustíveis) perto de 10 euros, sendo para muitos a verdadeira taxa moderadora no acesso a serviços de saúde.

Para alguns portugueses, isto não será um problema. Para todos aqueles que têm dinheiro para viver perto do trabalho ou se habituaram a ter acesso a transportes públicos frequentes, os problemas de quem vive longe do emprego são uma realidade distante. Para esses, quase todos a viver no centro das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o preço dos combustíveis não é um problema das pessoas, mas uma solução para o planeta. Infelizmente, para todos os portugueses que não estão nessa situação, grande parte dos decisores políticos fazem parte do grupo demográfico que menos têm que se preocupar com o preço dos combustíveis: a classe média-alta da Grande Lisboa. Com salários elevados, ciclovias e o metro à porta do emprego, o peso dos combustíveis no orçamento doméstico é uma questão quase esotérica. Para esses, o ISP é um imposto virtuoso destinado a acabar com a poluição e salvar o planeta.

Mas nem para o objetivo de compensar os efeitos da poluição o ISP é um imposto apropriado. O principal dano no ambiente da utilização do automóvel é a poluição local, nomeadamente os potenciais danos na saúde da poluição do ar e da poluição sonora (a questão da poluição atmosférica está coberta pela taxa de carbono que é uma ínfima parte do imposto total). É justo que quem causa estes danos aos outros, pague por eles, mas o ISP é uma péssima forma de o fazer.

O ISP é um imposto cego que recai sobre todo o combustível, seja ele usado nas grandes cidades ou em zonas pouco densas. A poluição dos automóveis tem efeitos substancialmente diferentes, dependendo onde o automóvel for usado. Quem faz 10 quilómetros no centro de uma grande cidade, frequentada por centenas de milhares de pessoas, incluindo crianças, causa muito mais dano do que quem faz 1000 quilómetros em autoestrada ou em zonas de baixa densidade populacional. No entanto, quem faz 1000 quilómetros em autoestrada paga 100 vezes mais ISP do que quem faz 10 quilómetros no centro de uma grande cidade.

A acrescer a isso, é também fora das grandes cidades que escasseiam alternativas de transporte. Fora das grandes cidades está-se a punir fiscalmente, usando o argumento ambiental, pessoas que simplesmente não têm alternativa ao uso do automóvel, pessoas para quem a alternativa a ir para o emprego de automóvel, é não ir para o emprego. O ISP é duplamente injusto: pune de igual forma utilizações de automóvel com custos ambientais substancialmente diferentes e atinge igualmente quem tem alternativas de transporte coletivo e quem não tem.

Mas a hipocrisia de quem defende o ISP como imposto ambiental não se fica por aqui, porque normalmente apoiam também forças políticas que defendem o controlo dos transportes coletivos pelos sindicatos. O, ainda, maior partido ambientalista português (“Os Verdes”) coliga-se há anos com um partido que instrumentaliza as empresas de transportes públicos para atingir os seus objetivos políticos. Ao fazê-lo, torna-os tão pouco confiáveis que muitos, mesmo nas grandes cidades, não abdicam da segurança do transporte próprio.

As questões ambientais não são uma preocupação menor. Mas não nos deixemos enganar: não são essas questões que fazem com que os impostos sobre os combustíveis sejam tão elevados. A grande preocupação é alimentar o Orçamento do Estado.

Os consecutivos ministros das finanças já perceberam que a esmagadora maioria das pessoas que usa automóvel não tem qualquer alternativa. Perceberam que, por muito que aumentem o imposto sobre os combustíveis, as pessoas continuam a ter que ir trabalhar e levar os filhos à escola, e que o continuarão a fazer mesmo que os combustíveis custem o dobro. Num país com as características de Portugal, o imposto sobre os combustíveis é uma fonte de receitas fácil para alimentar um Estado cada vez mais gordo. Para o decisor político baseado em Lisboa, para além de conseguir aumentar a receita fiscal, ainda é acaba por ser bem-visto pelo seu círculo social para quem as preocupações ambientais justificariam um imposto sempre mais elevado, independentemente do ponto inicial.

Mas este abuso elitista e centralista um dia chegará ao fim. Em França esteve na origem do movimento dos coletes amarelos que eventualmente degenerou e acabou tomado por forças de extrema esquerda e direita. Em Portugal, o efeito no final do mês arrisca-se a criar a insatisfação que alimenta movimentos políticos mais radicais. Chegou a altura de os decisores políticos saírem fora da sua bolha centralista, acordarem para as necessidades do cidadão comum e repensarem a política fiscal de ambiente e mobilidade. Sob o risco de um dia já não terem qualquer controlo sobre ela.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

Carlos Guimarães Pinto, 29 de Dezembro de 2018

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