{"id":3156,"date":"2018-08-10T18:40:09","date_gmt":"2018-08-10T18:40:09","guid":{"rendered":"https:\/\/iniciativaliberal.pt\/?p=3156"},"modified":"2018-08-10T18:40:09","modified_gmt":"2018-08-10T18:40:09","slug":"a-triste-sina-da-ferrovia-portuguesa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/iniciativaliberal.pt\/a-triste-sina-da-ferrovia-portuguesa\/","title":{"rendered":"A triste sina da ferrovia portuguesa"},"content":{"rendered":"

D\u00e9cadas de desinvestimento no que \u00e9 um papel exclusivo do Estado \u2013 a rede ferrovi\u00e1ria \u2013 e de pensos r\u00e1pidos no operador p\u00fablico \u2013 a CP \u2013 resultam hoje numa rede ferrovi\u00e1ria ao mesmo tempo pouco competitiva e com uma opera\u00e7\u00e3o em rotura.<\/strong><\/p>\n

Podemos discutir o que \u00e9 uma rotura e se o actual estado \u00e9 isso mesmo, mas a sem\u00e2ntica apenas interessa a quem pretende desfocar os problemas existentes para evitar responsabilidades. Certo \u00e9 que nunca antes o pa\u00eds se tinha defrontado com vagas de supress\u00f5es como a que dura h\u00e1 meses na rede ferrovi\u00e1ria, com particular impacto nos servi\u00e7os regionais das linhas mais esquecidas da nossa rede (e no Algarve\u2026.!) e impactando o n\u00edvel de servi\u00e7o oferecido at\u00e9 nos servi\u00e7os de topo de gama como os Alfa Pendular e Intercidades, onde n\u00e3o raras vezes s\u00e3o trocadas as composi\u00e7\u00f5es habituais (aptas a 200-220 km\/h e conforto a acompanhar a gama) por comboios regionais, sem conforto e aptos apenas a 120 km\/h. Se em \u00c9vora \u00e9 quotidiano, nos servi\u00e7os Alfa n\u00e3o o \u00e9 menos e o transbordo em Campanh\u00e3 para servi\u00e7os que deviam ser directos de Lisboa a Braga ou Guimar\u00e3es \u00e9 hoje uma realidade.
\nOs coros dos partidos do regime n\u00e3o se cansam de bradar sobre responsabilidades. \u00c9 \u00f3bvio que o actual governo n\u00e3o \u00e9 respons\u00e1vel pela falta de competitividade da rede \u2013 os tra\u00e7ados s\u00e3o antigos e desadequados, a ferrovia tem a mais baixa densidade em Portugal por compara\u00e7\u00e3o com os seus parceiros europeus, entre outros. Isso exige muitos anos para reparar, porque requer muito investimento p\u00fablico, e o que se pode aqui dizer \u00e9 que este Governo continua a ajudar \u00e0 festa \u2013 retirou o lombo ao Ferrovias 2020 e manteve apenas interven\u00e7\u00f5es pouco ambiciosas, \u00e0 semelhan\u00e7a do que foi sendo feito nas \u00faltimas d\u00e9cadas (a exce\u00e7\u00e3o \u00e9 a nova linha \u00c9vora \u2013 Elvas, planeada desde os anos \u2026 60).
\nMas na opera\u00e7\u00e3o n\u00e3o pode haver complac\u00eancia. \u00c9 triste assistir-se ao passa culpas perante a \u00f3bvia constata\u00e7\u00e3o de que o governo \u00e9 incapaz at\u00e9 de gerir num horizonte de curto prazo. Se recebeu a CP no limite dos seus recursos, como \u00e9 poss\u00edvel que s\u00f3 ao fim de tr\u00eas anos, perante o clamor da opini\u00e3o p\u00fablica, abra concursos raqu\u00edticos para repor pessoal na EMEF, para conseguir reparar comboios? Como \u00e9 poss\u00edvel que, se em 2016 a pr\u00f3pria CP alertava para a necessidade de expandir opera\u00e7\u00f5es, ao fim de tr\u00eas anos este Governo tenha cancelado planos de curto prazo recorrendo a aluguer de comboios e tenha at\u00e9 imposto, directa e indirectamente, redu\u00e7\u00e3o de meios? O que esperavam que acontecesse a uma empresa que dizem ter recebido numa situa\u00e7\u00e3o limite se a seguir cortam meios?
\nInfelizmente levo 15 anos a ouvir pol\u00edticos apresentarem o seu amor pela ferrovia. Adormecem-nos real\u00e7ando as vantagens ambientais e energ\u00e9ticas, a efici\u00eancia econ\u00f3mica e, claro, os muitos casos de estudo dos nossos parceiros europeus \u2013 o nosso continente ali\u00e1s investe hoje em dia praticamente tanto em ferrovia como no tempo da revolu\u00e7\u00e3o industrial. Na altura de atribuir verbas, o sector fica sempre para o fim. No tempo das vacas gordas, nos anos 90, a CP poucos comboios comprou e optou antes por atamancar uma s\u00e9rie de material circulante dos anos 50 e 60, para durarem mais 15 anos. Nas infraestruturas, com a honrosa excep\u00e7\u00e3o da renova\u00e7\u00e3o Pinhal Novo \u2013 Torre V\u00e3, renovaram-se imensas linhas sem se mexer em nada de cr\u00edtico: proximidade de esta\u00e7\u00f5es \u00e0s popula\u00e7\u00f5es e centros econ\u00f3micos, redu\u00e7\u00e3o das muitas rampas que existem nas nossas linhas (com grandes impactos na produtividade do transporte de mercadorias) ou aumento das velocidades (nos eixos principais portugueses praticam-se velocidades m\u00e9dias que os nossos parceiros europeus tinham nos anos 60 do s\u00e9culo passado).
\nEst\u00e1 quase tudo por fazer e \u00e0 medida que os anos passam (incluindo a actual legislatura), mais fica por fazer e mais longe ficamos de ter um sistema ferrovi\u00e1rio \u00e0 altura da civiliza\u00e7\u00e3o a que aspiramos, o que \u00e9 particularmente doloroso para um pa\u00eds afastado do centro da Europa e onde os impactos da localiza\u00e7\u00e3o perif\u00e9rica se agravam perante solu\u00e7\u00f5es log\u00edsticas pouco eficientes. No dom\u00ednio da coes\u00e3o social e territorial, Portugal tem de decidir se quer capacitar territ\u00f3rios interiores ou n\u00e3o, assumindo em caso afirmativo que tem muito para fazer e para construir. No dom\u00ednio puramente econ\u00f3mico, \u00e9 imposs\u00edvel ignorar empres\u00e1rios e confedera\u00e7\u00f5es que v\u00e3o redobrando e intensificando alertas para os impactos da falta de desenvolvimento do meio ferrovi\u00e1rio.
\nMeus amigos, n\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas que no imediato Portugal tem de gastar e gastar muito com a ferrovia. Se realmente a quer recuperar, n\u00e3o h\u00e1 alternativa. Tipicamente detesto solu\u00e7\u00f5es que impliquem atirar dinheiro para cima dos problemas, mas no caso presente \u00e9 por a\u00ed que se ter\u00e1 mesmo de come\u00e7ar.
\n\u00c9 preciso definir uma estrat\u00e9gia antes de pedir projectos para 2030. Que pa\u00eds queremos ser? Queremos ligar as nossas capitais de distrito todas por comboio? E em caso afirmativo, queremos que todas estejam no m\u00e1ximo a 2h30 de Lisboa ou do Porto? Queremos ligar todas as regi\u00f5es aos portos mar\u00edtimos? Queremos refor\u00e7ar os nossos la\u00e7os no mercado ib\u00e9rico? Tudo isto s\u00e3o o tipo de perguntas cujas respostas devem dar as orienta\u00e7\u00f5es para s\u00f3 depois se desenvolverem os projectos. \u00c9 tempo de acabar com a l\u00f3gica pontual e abordarmos a rede como um sistema \u2013 estrat\u00e9gia definida, ser\u00e1 hora de projectar, or\u00e7amentar, priorizar e fasear a execu\u00e7\u00e3o.
\nNa opera\u00e7\u00e3o no imediato tem mesmo que se capacitar a CP. Autorizar todas as manuten\u00e7\u00f5es que est\u00e3o pendentes e os alugueres que possam permitir reduzir os riscos de quem opera uma frota demasiado antiga e ao mesmo tempo que possa desde j\u00e1 permitir incorporar o aumento da procura, especialmente cr\u00edtica em sectores como o Longo Curso, bastante rent\u00e1vel, e onde a CP perde dinheiro de forma dram\u00e1tica por falta de capacidade de resposta.
\nIndependentemente de propostas program\u00e1ticas para o arranjo institucional do sector e sua opera\u00e7\u00e3o, Portugal n\u00e3o tem tempo a perder \u2013 tem de recuperar a CP.<\/strong> Tem de se assegurar autonomia e responsabilidade \u00e0 gest\u00e3o da CP (hoje em dia completamente amputada), meios para a opera\u00e7\u00e3o actual e contratualizar explicitamente o servi\u00e7o p\u00fablico \u2013 que linhas, que servi\u00e7os, que frequ\u00eancias, que tipologia de material circulante, que indicadores de qualidade. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel continuar a encarar uma empresa p\u00fablica como um mero reposit\u00f3rio de servi\u00e7os avulsos, onde nunca se consegue definir o que a CP opera por interesse (at\u00e9 porque o efeito de rede, nos ramais de reduzido tr\u00e1fego, induz muitos proveitos nas linhas principais) e aquilo que \u00e9 o Estado que exige que se fa\u00e7a, sem por isso pagar. O Estado tem de dizer claramente o que \u00e9 o servi\u00e7o p\u00fablico que quer operar e pagar por isso \u2013 s\u00f3 assim n\u00f3s, cidad\u00e3os, poderemos tamb\u00e9m escrutinar as op\u00e7\u00f5es pol\u00edticas.
\nE vai ter de investir em material circulante. Em muito. A \u00faltima compra foi em 1999 (automotoras do Porto, colocadas em servi\u00e7o entre 2002 e 2004). Cerca de metade da frota da CP (que totaliza cerca de 300 unidades motoras e 100 carruagens de servi\u00e7o Intercidades) carece de substitui\u00e7\u00e3o a curto prazo. A 15 anos, provavelmente falamos de 80%. A factura de anos de desinvestimento est\u00e1 a\u00ed, e o pa\u00eds ou encerra a rede ferrovi\u00e1ria ou tem de a pagar \u2013 \u00e9 uma d\u00edvida n\u00e3o contabilizada na d\u00edvida p\u00fablica mas que existe.
\nFundamental \u00e9 tamb\u00e9m a assump\u00e7\u00e3o da d\u00edvida da CP pelo Estado, ao mesmo tempo que defina a contrata\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o p\u00fablico e d\u00ea autonomia \u00e0 gest\u00e3o, responsabilizando tal como em qualquer empresa a sua administra\u00e7\u00e3o por cumprimento de objectivos e n\u00e3o tolerando a exist\u00eancia de preju\u00edzos sistem\u00e1ticos que voltem a gerar um novo bolo de d\u00edvida. Facto \u00e9 que a d\u00edvida c\u00e1 est\u00e1, custa cerca de 100M\u20ac\/ano (a CP tem cerca de 300M\u20ac de proveitos anuais), e n\u00e3o pode continuar \u00e0s costas da CP. Os pol\u00edticos t\u00eam de assumir o que fizeram com este seu quintal.
\nQuando tudo estiver em ordem, ser\u00e1 poss\u00edvel olhar tamb\u00e9m para o lado institucional da ferrovia e para considera\u00e7\u00f5es econ\u00f3micas e de concorr\u00eancia. Em 2020 o mercado interno abre-se \u00e0 concorr\u00eancia, e poder\u00e1 ser poss\u00edvel por a concurso tamb\u00e9m as obriga\u00e7\u00f5es de servi\u00e7o p\u00fablico, cujos moldes podem ser muito vari\u00e1veis (de curta dura\u00e7\u00e3o com material circulante detido pelo Estado, de longa dura\u00e7\u00e3o com material circulante detido pela empresa, etc.). Mas n\u00e3o adianta sequer irmos por a\u00ed num pa\u00eds onde a opera\u00e7\u00e3o ferrovi\u00e1ria est\u00e1 hoje em m\u00ednimos de sempre \u2013 e a todos os n\u00edveis.
\nN\u00e3o pode o governo negar a exist\u00eancia de problemas que decorrem da sua obscura e irrespons\u00e1vel execu\u00e7\u00e3o or\u00e7amental, que mistura cativa\u00e7\u00f5es j\u00e1 corriqueiras com outras t\u00e1cticas para n\u00e3o executar investimento \u2013 e em termos de manuten\u00e7\u00e3o ferrovi\u00e1ria, grande parte das tarefas s\u00e3o classificadas como investimento. Se o Governo atabalhoadamente diz que recebeu uma empresa em mau estado e com oficinas com menos pessoal do que anos antes, como podem hoje as oficinas terem ainda menos gente do que em 2016? \u00c9 preciso por um ponto final na desresponsabiliza\u00e7\u00e3o e na total aus\u00eancia de propostas governamentais para o futuro. Ningu\u00e9m poder\u00e1 contestar, sugerir ou at\u00e9 elogiar op\u00e7\u00f5es deste governo uma vez que elas n\u00e3o s\u00e3o p\u00fablicas. Pretende privatizar a CP \u00e0 m\u00e1 fila, degradando o servi\u00e7o propositadamente? Pretende manter p\u00fablica mas em agonia? Quer fazer da CP uma grande operadora ib\u00e9rica tendo em vista a abertura dos mercados em 2020?
\nO que quer, afinal, o Governo?
\nPara o resgate do sistema ferrovi\u00e1rio \u00e9 fundamental agir agora e em for\u00e7a. Governa\u00e7\u00e3o \u00e9 o exerc\u00edcio dilem\u00e1tico de op\u00e7\u00f5es conflituantes. O Governo n\u00e3o pode continuar a fingir que, com recursos sempre limitados, vai acorrer a tudo. Tem deixado a ferrovia na cauda das suas prioridades sem que o assuma, impedindo o transparente escrut\u00ednio da sua ac\u00e7\u00e3o e inclusivamente cerceando as possibilidades da popula\u00e7\u00e3o optar entre projectos claros em sede eleitoral. Para j\u00e1, a op\u00e7\u00e3o destes tr\u00eas anos de governo tem sido sempre comprar as linhas vermelhas de Bloco e PCP em nome do projecto de poder do primeiro-ministro. Os resultados est\u00e3o \u00e0 vista e ainda v\u00e3o piorar.<\/p>\n

\u2014 Opini\u00e3o liberal de Jo\u00e3o Cunha, membro da IL<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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