O que vivemos
Vivemos um tempo em que a pandemia COVID-19 coloca desafios enormes e inéditos a todos nós. É prioritária a adopção de medidas que limitem a propagação da doença, procurando ganhar tempo para minorar a sobrecarga sobre o sistema de saúde e para desenvolver uma vacina. Mas o impacto económico desta prioridade é gigantesco e há que evitar juntar uma crise económica de proporções nunca vistas à crise de saúde pública que já estamos a viver.
Neste contexto, há que dizer que as medidas que têm vindo a ser anunciados pelo Governo são manifestamente insuficientes e parecem subestimar perigosamente quer a dimensão, quer a urgência dos problemas que temos de enfrentar.
É necessário conciliar as medidas de saúde pública com medidas urgentes e eficazes que assegurem a continuidade do funcionamento da economia. A dimensão desta crise não tem paralelo e não pode ser resolvida dentro dos parâmetros financeiros e legais até aqui vigentes. Vai ser precisa coragem, e também flexibilidade, para tomar medidas inéditas e vencer a crise.
Com o que contamos
A Comissão Europeia já deu mostras dessa flexibilidade ao anunciar a suspensão das regras do Tratado Orçamental e um conjunto de programas de apoio para combater os efeitos económicos da pandemia.
O Banco Central Europeu, por sua vez, já apresentou um programa de estímulo monetário, expandindo o seu programa de compra de activos, bem como, do ponto de vista da regulação e supervisão bancária, relaxando as regras prudenciais aplicáveis aos bancos.
Não é suficiente. A dimensão do desafio é tão grande, e os valores em causa tão substanciais, que é evidente que os limites financeiros e monetários que nos regem a partir da União Europeia serão, novamente, alterados no sentido de permitir aos Estados-membro fazer tudo o que for necessário para evitar uma recessão prolongada no espaço europeu. Só que, desta vez, o “whatever it takes” terá de ser ainda mais destemido e assumir outras proporções.
O Estado Português terá, naturalmente, de agir em articulação com as autoridades europeias e com os demais Estados membros da União Europeia, mas deve estar na linha da frente da exigência de medidas mais ambiciosas, mais urgentes e menos burocratizadas. Nesta crise, o financiamento das medidas dos próximos meses terá de vir, em boa parte, da União Europeia.
O que se fez por cá
Em Portugal, o Governo tem optado por tomar medidas sobretudo de apoio à oferta, essencialmente sob a forma de linhas de crédito sujeitas a condicionalismos burocráticos que tornam a sua utilização complexa, com especial prejuízo para aqueles que tenham menos recursos para navegar esta complexidade.
Na opinião da Iniciativa Liberal, as medidas são insuficientes e faltam medidas direccionadas às pessoas e aos seus rendimentos. As medidas anunciadas não garantem o mínimo de estabilidade no rendimento das famílias e isso tem consequências gravíssimas para a economia. Para além disso, os apoios às famílias são burocráticos e complexos: é difícil de perceber onde cada um se pode enquadrar.
Para as empresas, por seu lado, a legislação é confusa e discrimina entre os vários sectores. As linhas de crédito podem resolver as dificuldades de liquidez de (algumas) empresas, mas não garantem que continue a haver procura. Sem procura, sem clientes, não há receitas e sem receitas não há como repagar os empréstimos.
O que propomos
O programa ‘Nação Valente’ que a Iniciativa Liberal agora apresenta, reúne um conjunto de medidas de aplicação urgente no curto prazo. Todas as medidas devem, sob pena de não produzirem os efeitos desejados, possuir determinadas características comuns:
- Serem de aplicação urgente
- Serem ambiciosas e de dimensão financeira substancial
- Serem essencialmente automáticas, sem burocracias
1. Protecção do salário ou rendimento: com efeitos imediatos, o Estado introduz uma subvenção que garanta a manutenção de um nível de rendimento a todos os trabalhadores por conta de outrem (independentemente da natureza do vínculo laboral), trabalhadores a recibos verdes, profissionais liberais e titulares de órgãos sociais que tenham visto a sua situação alterada com as medidas de contenção decididas pelo Governo, seja por lay-off, não-renovação dos contratos ou encerramento compulsivo de actividade.
As subvenções serão pagas directamente pela Segurança Social, sem adiantamento por parte das empresas, com as seguintes percentagens:
- Trabalhadores em lay-off: 85% do salário-base
- Extinção de posto de trabalho ou não-renovação: 75% do salário-base
- Encerramento/redução compulsiva de actividade: 75% do salário-base
O limite mensal desta subvenção será de 4 vezes o salário mínimo.
2. Isenção de impostos, descontos e taxas (pessoas singulares): as pessoas singulares ficam imediatamente, mas apenas durante a duração do regime de excepção, isentas do pagamento de:
- Taxa Social Única (TSU)
- Imposto sobre Rendimento Pessoas Singulares (IRS), sob a forma de retenção
- Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), tratando-se de pessoas singulares sujeitas passivas de IVA
- Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), no caso de os arrendatários não pagarem as respectivas rendas
- Taxas autárquicas, substituindo-se o Estado Central no respectivo financiamento
3. Isenção de impostos, descontos e taxas (pessoas colectivas): as pessoas colectivas ficam imediatamente, mas apenas durante a duração do regime de excepção, isentas do pagamento de:
- Taxa Social Única (TSU)
- Imposto sobre Rendimento Pessoas Colectivas (IRC), incluindo os pagamentos por conta
- Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), tratando-se de pessoas singulares sujeitas passivas de IVA
4. Suspensão de impostos e taxas sobre serviços essenciais: suspender imediatamente, mas apenas durante a duração do regime de excepção, da aplicação de todos os impostos e taxas relacionados com as facturas da água, luz, comunicações, bem como nos pagamentos das prestações bancárias e das rendas.
5. Moratória de obrigações bancárias: relativamente às operações de crédito, leasing ou similares, os clientes afectados poderão solicitar aos seus bancos uma moratória de capital durante um período de entre 3 e 9 meses e essa solicitação será automaticamente aceite, sendo assegurado que as moratórias não terão impacto nos rácios de capital das instituições de crédito.
6. Agilização dos acordos de factoring e confirming: relativamente às operações de factoring e confirming, cruciais para manter a cadeia de liquidez na economia, atribuição de uma contragarantia do Estado de até 80%.
7. Reformulação das linhas de crédito: as linhas de crédito de apoio à liquidez empresarial anunciadas pelo Governo terão de ser reformuladas no sentido de
- Concentrar numa única linha, acessível por qualquer empresa de qualquer dimensão e de qualquer sector
- Autorização e desembolso automático e imediato
- Sem juros e com contragarantia mútua do Estado
- Contemplar o funcionamento em conta-corrente
8. Aceleração de pagamentos por parte do Estado: pagamento imediato de todos os montantes de dívida vencida e vincenda por parte do Estado a contribuintes, fornecedores ou parceiros.
9. Aceleração do desembolso de Fundos Europeus: aprovação expedita e desembolso imediato de todos os apoios de fundos europeus aplicáveis a candidaturas a que os promotores decidam manter.
10. Apoio ao pagamento de rendas: dedução à colecta do Imposto sobre o Rendimento aplicável aos proprietários de um montante igual à redução de renda que estes aceitem renegociar nos contratos de arrendamento, durante a duração do regime de excepção.
11. Apoio à aquisição de equipamentos de protecção e combate ao Covid-19: apoio financeiro, logístico e outro à aquisição, por parte de empresas que permaneçam em laboração, de kits de equipamento protector para os seus trabalhadores.
12. Elaboração de Orçamento rectificativo: importante dar cobertura orçamental às medidas urgentes que propomos, bem como rever as medidas que constam do Orçamento de Estado aprovado na perspectiva da existência de um excedente orçamental.
Espírito de valentia perante a mudança
Este é o programa ‘Nação Valente’ da Iniciativa Liberal, o qual visa evitar que à crise de saúde pública se junte uma emergência económica.
Este programa tem um custo de cerca de 10,5 mil milhões de euros, mas conta com o pacote de ajuda do BCE, no qual Portugal vai receber cerca de 18 mil milhões de euros, e com os fundos da UE (já foi, por exemplo, anunciado que Portugal vai ter até Abril 1055 milhões de euros para investimento na resposta imediata ao coronavírus). Todo este dinheiro que Portugal vai receber da Europa tem de ser para as pessoas e para as empresas, não pode ser para os balanços dos bancos nem para brilharetes orçamentais do Ministério das Finanças.
Este é um momento excepcional que exige medidas excepcionais. Tal como não inviabilizámos o Estado de Emergência, também não iremos inviabilizar medidas que venham a ser necessárias. No entanto, tal como fomos os primeiros a apontar as insuficiências de certas medidas, seremos também os primeiros a defender o fim dessas medidas excepcionais, logo que deixe de se justificar a sua vigência.
Tempos de catástrofe são tempos excepcionais. Um Estado que não é capaz de tomar estas medidas é um estado incapaz. Estes tempos de pandemia não são tempos para burocracia – agora o Estado tem de ser ágil no apoio às pessoas, famílias e empresas. O Estado não pode ser competente apenas a cobrar impostos. Este é o momento em que o Estado tem de ser competente também a defender os cidadãos. É agora que o Estado não pode falhar. Não pode voltar a falhar.
Para além disso, é imperioso que o governo seja verdadeiro com os portugueses. Deve afirmar que esta crise trará mudanças permanentes na nossa economia. Muitas empresas terão dificuldades em voltar a uma situação de viabilidade. Nessa altura, não se pode pedir aos portugueses, eles próprios numa situação difícil, que salvem essas empresas com os seus impostos. Ao mesmo tempo, muitas outras empresas e sectores terão novas oportunidades de crescer e de se afirmar.
Estas mudanças, como todas as que enfrentamos na vida, encerram também oportunidades. Que os portugueses se preparem para as aproveitar com espírito de valentia. É esse espírito que pedimos a todos.